27 agosto 2007

De trevas e cegueira



Cefas Carvalho

Ó treva indescritível que me envolve, núvem que não consigo dissipar! Esta frase faz parte de uma das mais belas falas do teatro e da própria literatura ocidental, o texto final de Édipo, rei de Tebas, quando, revelado que ele, cumprindo a trágica profecia sobre seu destino, matara o pai e desposara a mãe, e, por esta razão, ele fura os próprios olhos, se condenando a cegueira. A imagem de auto-flagelação e a falta de visão da peça sempre me impressionaram. Na verdade, míope que sou desde os treze anos - dependendo de óculos e lentes de contato para enxergar uma placa de loja - acabei desenvolvendo certo fascínio pela cegueira. Todo míope quando sem os óculos se sente meio cego, envolto em sombras e luzes difusas, silhuetas que nem sempre conseguem ser decifradas. Encantado por Édipo, também me encantei com Homero, o poeta cego que por enxergar mais que seus conterrâneos produziu "A Ilíada" e "A Odisséia", dois monumentos da poesia. Outro poeta cego foi o inglês John Milton, que escreveu o célebre “Paradise Lost - Paraíso perdido”, poema épico que tenho no original há uma década mas nunca me aventurei a ler. A literatura mundial tem outro mito envolvido com a falta de visão: o argentino Jorge Luís Borges, este, um de meus heróis, que ficou cego justamente quando assumiu a direção da Biblioteca Nacional. Borges, inclusive, foi homenageado pelo italiano Umberto Eco em “O nome da rosa”, na forma de um bibliotecário cego chamado Jorge de Burgos. Outro argentino, Ernesto Sábato, escreveu o sensacional "Sobre heróis e tumbas", na qual cria uma seita secreta dos cegos que suposta e secretamente domina o mundo. Trata-se de um dos melhores livros que já li e que consolidou meu fascinio pelo tema. mais recentemente, me deparei com o igualmentebom “Ensaio sobre a cegueira”, do português José Saramago, que está virando filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles com Julianne Moore e Gael Garcia Bernal. Há muito mais referências à cegueira e falta de visão (real e metafórica) na literatura, tantas que impossível seria registra-las neste espaço. Talvez porque toda atividade de leitura apaixonada seja cercada pelo medo de não conseguirmos mais fazê-la, mediante a cegueira. Antes da invenção da luz elétrica, a leitura notuirna a luz de velas contribuiu para prejudicar a visão de muitos literatos ao longo dos séculos. Não é a toa que os clichês da leitura excessiva passam sempre pelo sujeito de óculos, geralmente “fundo de garrafa”. Ler cansa os olhos, sim. O problema é que não ler, cansa a alma. Talvez a verdadeira treva seja não a de Homero, Borges e Milton, que, sem enxergar, a tudo viam, mas sim o desconhecimento, a ignorãncia, a intolerância. Uma treva que faz com que o sujeito enxergue, mas sem ver. Esta escuridão, como citou Joseph Conrad (que aliás, como ex-marinheiro, tinha ótima visão) em seu “Coração das trevas”, pode significar “o horror, o horror...”

2 comentários:

Cláudia Magalhães disse...

Ô homem pra escrever bonito!!!
Ah, meu amor, não é sem razão que te amo!!!

Cefas Carvalho disse...

Obrigado, querida. também te amo!