18 maio 2011

Lázaro

Cefas Carvalho

Tiraste-me do sepulcro
Levantaste-me das catacumbas
Despertaste-me do sono eterno

Ergueste-me de entre os mortos
Fizeste-me retornar à vida
Trouxeste-me de volta à luz

Fizeste de mim o teu Lázaro
Forjado para louvar o teu nome
Lapidado para viver por ti

Esquecestes... que eu queria partir
Ignorastes que entre os mortos era meu lar
Não percebestes que morte... Era minha vida!

11 maio 2011

Armagedom


Cefas Carvalho

Era o deus colérico a me perseguir
Em meu tortuoso caminho de Damasco?
Ou o demônio, vil, a espargir
Água amaldiçoada com fel e asco?

Seria o Armagedom, a, solene surgir
Em um arrebol de fúria e de som?
Ou o Paraíso de Milton a explodir
Em um surreal arco-iris marrom?

Era o demônio a chegar sorrateiro
Em uma nuvem de enxofre e carbono?
Ou o calor fantasmal do candeeiro
A transformar em inferno o meu sono?

Eram querubins a, com trombetas, anunciar
O Juízo Final a chegar finalmente?
Ou nada mais que outro dia a raiar
No lirismo banal de um sol nascente?

06 maio 2011

Coração

Cefas Carvalho

Ele, apaixonado ao extremo. Passional, verborrágico. Ela, bela e distante, deusa grega em mármore. Eu amo você - repetia ele – Você manda em meu coração! Ela resmungava: É mentira sua... Até o dia em que ela decidiu fazer o teste. Ordenou que o coração dele parasse! Ele sentiu o corpo gelado e, subitamente, caiu morto ao chão.

04 maio 2011

A Biblioteca de Babel (e de Borges)

Cefas Carvalho

Tenho uma relação obsessiva, doentia mesmo, com os livros e com a entidade sagrada Biblioteca. Como Borges, um dos heróis do meu panteão de ídolos (Hemingway, Maugham, Gide, os franceses....). Borges escreveu um conto maravilhoso chamado “A Biblioteca de Babel” (presente no livro “Ficções”) na qual fala deste febre que algumas pessoas tem em relação aos livros e às Bibliotecas. Tanto quando a leitura em si, gosto da sensação da posse de um livro, de marcá-lo, do momento em que, devidamente lido, ele vai repousar na Biblioteca.. Tenho dificuldade em ler livros emprestados por não antever o momento em que voltarão para as estantes, por não saber com que outros livros se acompanhará. Exceção feita para leitura de livros em Bibliotecas, algo que o pouco tempo e o stress não me deixam mais fazer. Mas, recordo com prazer dos tempos em que eu e amigos como Paulo César, nos anos dourados da adolescência, desbravávamos corajosamente as estantes da Biblioteca Câmara Cascudo, sob a complacência das bibliotecárias. Lembro com maior nitidez de quando encontramos uma raridade, o “Michael Kolhaas”, de Henrich Von Kleist. Também é doce a lembrança das tardes cariocas também adolescentes que passava na Biblioteca do MEC e na mítica Biblioteca Nacional, na Cinelândia. Ah, o gigantismo da Biblioteca... Não que eu tenha uma Biblioteca quantitativamente grande, mas não é isso que importa, como vaticina o mestre argentino, mas a relação que se tem com a Biblioteca. Segundo Borges no citado conto, “ a Biblioteca é interminável...um número indefinido e quiçá infinito de galerias hexagonais...” Neste texto delicioso, Borges assinala algo que suspeito desde tenra infância: “Nalguma estante de algum hexágono deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais; algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus”. A idéia de um livro que contenha todo o conhecimento humano (A Biblia? O Corão? O Mahabratara? A obra completa de Shakespeare? Dom Quixote? Grande Serão: Veredas?) em um só me fascina até hoje. Este livro estaria guardado na Biblioteca sagrada, que, como escreveu Borges, sempre existirá, pois que “suspeito que a espécie humana – a única – está por extinguir-se e que a Biblioteca permanecerá: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.”