25 julho 2011

Era Poeta...

Era Poeta...de todas, a mais bela
De seus versos fiz meu pão e fiz meu vinho
Com régua e compasso fiz meu caminho
Da aquarela de teus olhos fiz minha tela

Era Poeta...envolta em seda e linho...
Ares de Safo, Cecília e Florbela...
Em devaneios, abri uma janela
E mergulhei em seu mar azul marinho

Mas, e agora? Tão pouca coisa aconteceu...
Sem poesia e tão mornos os dias passam
Não eras Julieta nem eu o seu Romeu

Onde irá levar-nos essa vida louca?
Se meus versos e seus versos não se enlaçam...
Se quero escrever sonetos em tua boca...

04 julho 2011

A Biblioteca Sagrada da Minha Mente

Cefas Carvalho

Por força de circunstancias que não pretendo relevar ao leitor curioso (que leitor não é curioso?) fiquei temporariamente afastado de minha Biblioteca. A princípio a separação dos meus livros me doeu na carne, acostumado que era a qualquer momento consultar algum deles ou simplesmente contemplá-los imperais, harmoniosos, arrumados verticalmente nas estantes de madeira.
Contudo, passados alguns dias longe da minha Biblioteca (sempre com B maiúsculo, como vaticinava mestre Borges, sábio maior desta entidade mágica e sagrada denominada biblioteca) a dor amainou. Não que a paixão (ou amor) pelos meus livros tivesse desaparecido com a, distância (como acorre com tantos amores ditos eternos...) mas sim pela descoberta, ou percepção (talvez revelação) que minha Biblioteca na verdade não é algo apertas físico, mas que existe prioritariamente em minha mente. Ela não precisa estar perto dos meus olhos para existir. Ela existe em mim. Pra levar o raciocínio metafisicamente mais longe, minha Biblioteca só existe porque eu existo; eu morrendo, a Biblioteca também não mais existirá.
De forma que a revelação fez com que eu veja e sinta meus livros a toda hora, estando em num há nova casa ou não. Consigo visualizar cada um dos meus... livros (leitor curioso, não importa o número de livros de uma Biblioteca, oito ou oitenta mil, o que importa é a relação - necessariamente doentia - entre o leitor-dono e a Biblioteca) O raciocínio apresentado entre os parênteses acima leva à constatação de que a minha Biblioteca só existe enquanto minha, posto que foi a aquisição particular de cada dos livros que a compõem que a torna uma Biblioteca. Ou seja, minha Biblioteca mãos alheias não passará de um amontoado de livros. Da mesma maneira que a Biblioteca de Câmara Cascudo só o era enquanto ele estava vivo e tomando viva a sua Biblioteca. Após sua morte, a Biblioteca de Câmara Cascudo passou a ser uma peça de museu, estática, pois que ninguém mais poderá acrescentar um livro nela. Idem com a biblioteca do felizmente ainda vivo José Mindlin. Sua Biblioteca só existe porque ele existe. A morte do primeiro acarretará na morte da Biblioteca enquanto ente sagrado, vivo, dinâmico.

Contemplando com os olhos sempre argutos da mente a minha Biblioteca, evoco livros que só existem como o são para mim. Como o exemplar de "O Jardim do Éden" de Hemingway, comprado em um sebo da avenida Ipiranga, quando eu morava em São Paulo no micro dos anos 90 Como não identificar o triângulo amoroso do livro com aqueles dias chuvosos e com a fumaça paulistana? Cada vez que leio o livro - e o fiz várias vezes - evoco aquele sebo (qual o seu nome? Não lembro...) e aquele período de minha vida.

Vejo com minha mente meu exemplar de "OS demônios de Loudun", de Huxley, comprado há meia década no Sebo Vermelho, de Abimael. Capa brega, livro quase caindo aos pedaços, mas cheio de marcações dos antigos donos e lido em uma época admirável da minha vida.

Vejo ainda outros livros. Possuo - três exemplares de “Dom Casmurro”, um deles, mais recente, de capa dura, mas para mim Capitu é mais Capitu e Bentinho mais Bentinho quando leio a edição da Ática em papel jornal comprada na livraria Universitária ainda nos anos 80, com papai ainda vivo. Salvo engano, compramos o livro, cujo nome me parecia enigmático, lanchamos na finada Lojas Brasileiras, fomos ao Café São Luiz, onde eu podia assistir a papai em ação com suas anedotas e gargalhadas e por fim, fomos para casa onde comecei a ler a obra prima machadiana. Claro que aos onze anos não entendi todas as nuances, mas o livro, de capa preta com um desenho multicolorido, ainda está nas minhas Bibliotecas (a real e a da minha mente).
Nesta Biblioteca da minha mente estão ate mesmo livros que já se foram É o caso de “O homem que olha”, de Moravia, que emprestei para meu amigo Cláudio em 1989 e ele perdeu em um bar durante uma bebedeira. Mas, para mim, o livro continua lá nas estantes ao lado de “1934” A romana e “A ciociara”. E se tiver que recuperá-lo, quero que seja da mesma edição da Nova Fronteira com a mesma capa azul e branca. Vejo também na minha estante o clássico hardcore “Albertine no inferno”, que está há um par de anos em poder da amiga jornalista Vilma Torres (desculpe a cobrança publica, mas para recuperar livros como no amor e na guerra vale tudo!) Ah, os livros emprestados que jamais voltaram para a Biblioteca... filhos queridos que se foram... que os amigos me perdoem, mas como alertou Cid Augusto em um artigo ladrão de livros vai para inferno...
Continuo de olhos fechados então e navego na minha Biblioteca sagrada, nas marcações que fiz com marca texto (geralmente cor laranja) nos endereços e telefones riscados nas páginas em branco dos livros, nas notas fiscais esquecidas dentro de exemplares. Velejo no mar dos poetas que admiro Pessoa, dos Anjos, Castro Alves... e me afogo nos versos das poetas por quem sou eternamente apaixonado (Cecília, Florbela, Zila, sempre elas ) e me perco nos braços e olhares de Capitu Oriane deGuermantes, Diadorin Lady Brett Ashley. Por fim me vejo da Biblioteca de Babel, hexagonal, sagrada, labiríntica, como escreveu Borges, que sem ver, a tudo via.
Acordo do sonho então, satisfeito como quem acorda de um noite amor carnal. Minha Biblioteca pode até ser incendiada, como aconteceu com a de Alexandria, mas jamais terá fim, por estar sempre dentro de mim. Em nome de Jorge Luis Borges amém!

(Texto publicado originalmente na Revista Papangu em maio de 2006)