30 julho 2008

Os papas só pensavam "naquilo"



Cefas Carvalho

Conversando dia desses com um amigo sobre atualidades e trivialidades, comentamos sobre a seqüência crescente de padres envolvidos em pedofilia e escândalos sexuais. "Antigamente isso não acontecia", suspirou, lamentando as mazelas deste nosso "admirável mundo novo". Contestei, registrando que fatos do gênero acontecem desde que o mundo é mundo, mas o homem teimoso como todo taurino, não arredou pé da sua idéia. Como também sou taurino, e além de teimoso, chato, decidi jogar as provas do que eu defendia na cara dele. Lembrei que havia lido meses atrás uma resenha sobre um livro cujo curioso título me interessou: "A vida sexual dos papas".

Corri até a finada AS Livros da Salgado Filho e eis que achei escondido numa prateleira no segundo andar o dito cujo. Após me certificar que não era uma picaretagem caça níqueis e sim um estudo sério (feito pelo historiador Nigel Cawthorne, editado pela Prestígio/Ediouro em 2002, R$ 40) comprei o livro. Tão bem escrito e cheio de fatos e anedotas que devorei suas trezentas páginas em três dias. O livro é delicioso não apenas para ateus (nobre categoria na qual este escrevinhador se inclui), agnósticos, iconoclastas e interessados em história de modo geral, mas para qualquer um que se disponha a entender que como diz o próprio Eclesiastes, "não há nada de novo sob o sol". Perversões sempre existiram, talvez tenham até diminuído, pelo menos no seio (ops) da Igreja Católica Apostólica Romana.

Mas, vamos ao livro. Ele relata que a mensagem cristã de abstinência ou moderação sexual caiu bem em uma Roma às voltas com perversões dos poderosos e liberalidade sexual. Contudo, com o passar dos séculos e tão logo os papas se ligaram à Casa Imperial e ao poder (papa Vitor I, em 190, foi o primeiro a manter relações cordiais com o imperador) a situação se inverteu e a cultural sexual romana contagiou o clero e a Igreja. Começaram a proliferar casos de padres envolvidos em escândalos sexuais, embora seja preciso ressaltar que nesta época o celibato era recomendado, não imposto aos padres.

Segundo Cawthorne, Sisto III (432) chegou a ser julgado pela sedução de uma freira. Zacarias (752) foi o primeiro pontífice a usar roupas paramentadas com ouro e jóias e abriu caminho para seu sucessor Leão III (795) inaugurar a era dos grandes banquetes papais. Ele teve, durante a vida e inclusive como papa, três esposas, que lhe deram 8 filhos, e no final da vida cercou-se de três concubinas. Mas na Idade Média tudo iria piorar...o século 10 ficou conhecido como o período da "pornocracia papal" quando duas prostitutas, Teodora e Mariozia manipularam o clero e o colégio de cardeais durante décadas.

Tudo começou quando Teodora deu sua filha Marozia, de 15 anos, de presente para o papa Sérgio III (904). A partir daí, elas entraram em ação, até que Marozia conseguiu fazer em 931 que seu filho João XII fosse ungido papa. Segundo os historiadores, ele era bissexual e sádico e escandalizou a Igreja ao ordenar bispo um menino de 10 anos. Cinqüenta anos depois, um menino de 12 anos, Benedito IX seria eleito papa, e reza a história que ele era não apenas bissexual e zoófilo, mas praticante de satanismo.

O século 11 é marcado por discussões teológicas sobre masturbação, sodomia e posições sexuais (isto daria pano para a manga em outra crônica...) e neste contexto o celibato foi oficializado pelo vaticano no Concilio de Piacenza em 1095. No mesmo dia, a Igreja decidiu vender como escravas as esposas dos padres que eram casados. Mas, permitia que os padres tivessem uma - apenas uma, que fique claro, concubina, desde que pagassem ao papado uma taxa anual.

Neste contexto (estamos na bruta Idade Média, é bom não esquecer) e cada vez com mais poder e impunidade, proliferam histórias bizarras de papas: Anacleto II (1130) estuprava freiras, Gregório X teve que afastar da Igreja seu amigo o bispo de Liége porque ele tinha 70 concubinas e 65 filhos, Bonifácio VIII (1294) teve como amantes ao mesmo tempo uma mãe e sua filha, Clemente VI (1342) comprou um bordel para o papado (inclusive recentemente o historiados Joseph Mc Cabe descobriu a escritura do negócio, “feito em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”, segundo o documento), Inocêncio VII (1510) em seu leito de morte só queria um alimento: leite materno. Arrumaram-lhe uma ama de leite. Seu médico teve a brilhante idéia de fazer-lhe uma transfusão de sangue e arrumou três jovens para isso...as três morreram no processo.

Mas, reza a história que o pior de todos os papas foi Alexandre VI (1492-1503), nascido Rodrigo Borja na Espanha e que na Itália teve o nome mudado para Bórgia, dando origem à poderosa e trágica família. Este papa era assassino, mutilador, torturador e um predador sexual, tendo entre seus feitos, seduzido uma mulher e suas duas filhas e tido um longo caso com sua própria filha, a célebre Lucrecia Bórgia. Segundo o livro de Cawthorne, Alexandre VI foi eleito papa graças ao voto de um monge que pediu em troca uma noite com Lucrecia, na época com 12 anos. Rodrigo nem hesitou em ceder a filha...

A partir de 1600, rareiam as histórias picantes envolvendo papas, por pelo menos duas razões históricas: a Reforma, que gerou o protestantismo e obrigou a Igreja Católica a se repensar, e o surgimento dos livros impressos, que possibilitaram a disseminação de idéias e histórias com maior rapidez e quantidade. Desnecessário dizer que a partir do século 19 a força da imprensa e da mídia tornou quase impossível a tolerância da opinião pública a deslizes dos papas. O que não quer dizer que eles não aconteçam... De qualquer forma, o que vem à tona são os casos envolvendo padres. Mas nada que se compare ao que os papas já fizeram, a institucionalmente em boa parte dos casos. Bem, uma vez contemplado com tantas histórias, gravuras, fatos documentados meu teimoso amigo capitulou e teve que admitir que - pelo menos no passado – suas santidades só pensavam mesmo "naquilo"...

21 julho 2008

O amor é um pássaro rebelde



Cefas Carvalho

Era tão simples. Bastava pedir perdão. Eu sabia que ela iria me perdoar. Bastava um telefonema, portanto. Ou mandar um buquê de rosas com um cartão de desculpas. Ela já havia me perdoado antes, como eu a ela. Desde o dia em que nos conhecemos, em uma festa, apresentados por uma amiga em comum. Eu jamais vira uma mulher com os olhos tão brilhantes, como mais tarde confessei. Ela assinalou que seus olhos brilhavam por minha causa. Naquela noite, dançamos muito, e em mais de uma oportunidade tive de pedir desculpas quando pisei em seu pé, mau dançarino que sempre fui, o que gerou muitas risadas. Horas mais tarde, já na cama, no porto seguro de meu apartamento, ela me pediu desculpas por ter pensado em pedir um táxi e sair às pressas, como quem foge. Estava feliz e sentia dificuldade em administrar a própria felicidade, confessou. Com o perdão de lado a lado, iniciamos nosso romance, amalgamando o mais terno dos carinhos com o fogo da paixão. Ela pediu em uma tarde chuvosa, enquanto passeávamos em um parque, que eu definisse o amor. O amor é um pássaro rebelde, respondi. Ela sorriu, sabia que era um trecho da ópera Carmem. Gostava de ópera, como de música, como de literatura, teatro, poesia e comida japonesa, como eu. Cuidado, pois os pássaros rebeldes não suportam ficar na gaiola e podem morrer nas grades, tentando sair dela, sorriu. Respondi que, da gaiola onde eu estava, jamais tentaria sair. E era verdade. Contudo, mesmo dentro da gaiola, dois pássaros rebeldes bem poderiam, mesmo sem querer, se ferir. Em alguns momentos fui eu quem a feriu, exaltado diante de tanto sentimento. Outras vezes, foi ela quem me agulhou, desconcertada com a profusão do mesmo sentimento. Ambos pedimos perdão um ao outro e a paz voltava a reinar em nosso castelo feudal de amor, onde costumeiramente levantávamos uma ponte levadiça para nos protegermos dos falsos amigos, do mau olhado, das leviandades, inimigos implacáveis do amor. Desta forma, o tempo foi passando e nosso amor, tal como um pássaro rebelde, perseverava, mas se debatendo nas grades da gaiola. Alternamos planos – ter filhos, viajar para os lugares dos nossos sonhos – com os fantasmas do rompimento. Chorei e gerei lágrimas. Até que em uma noite quente como o inferno, ela perguntou se eu a amava. Respondi que sim, mas com uma distração fatal, posto que minha mente vagueava em idéias diversas e meu coração estava pesado, graças a uma discussão tola na noite anterior. Diante da minha resposta ela nada falou. Foi para o quarto, leu um livro e adormeceu. Rabisquei em um papel minhas malditas idéias, tomei um copo de leite quente e fui dormir ao seu lado. Religiosamente, estivesse ela dormindo ou acordada, eu a beijava no rosto, à guisa de boa noite. Mesmo dormindo, ela ensaiava um meio sorriso quando eu a beijava. Naquela noite desgraçada, por sono ou negligência, não a beijei. Quando acordei, na manhã seguinte, ela não estava na cama. Nem no quarto ou em qualquer lugar na casa. Suas roupas não estavam no armário, perto das minhas. Encontrei na mesa um bilhete, escrito em letra nervosa, onde ela explicava que percebera que eu não a amava mais. E que não suportaria mais viver comigo sem ter a certeza do meu amor. Pensei em ligar imediatamente para seu celular, ou para a casa da sua mãe, mas, por alguma razão, não fiz nem um nem outro. Não tenho nada que pedir perdão, pensei comigo mesmo e voltei a dormir. Horas depois, ao acordar novamente, a dor me acertou em cheio, como um soco. Era tão simples, bastava pedir perdão, como das outras vezes. Mas, o orgulho era um pássaro tão rebelde quanto o amor, de maneira que fiquei me jogando nas paredes da minha gaiola imaginária até me decidir por procurá-la e pedir perdão. Seu celular estava desligado. Liguei para a casa dos pais dela. Uma tia, aos prantos, atendeu e me deu a sentença: ela havia se matado, com uma mistura de tranqüilizantes, uísque e formicida. Era tão simples. Bastava ter pedido perdão na hora certa. Abri a geladeira, bebi um copo de leite gelado e saí pela casa fechando todas as janelas, para em seguida vedá-las com massa. Abri a tampa do forno, liguei o botão do gás e descansei a cabeça na grade de ferro, esperando o momento em que eu teria a chance, felizmente, de pedir perdão a ela. E dizer que sim, eu a amava. Até à morte

15 julho 2008

Uma ciranda em volta da fonte


Letra: Morrissey

Tradução livre: Cefas Carvalho

(Obs: Abaixo da tradução, segue a letra de “Reel Around the fountain”, canção de Morrissey/Marr, da banda inglesa The Smiths, gravada para o álbum “The Smiths”/1984)

Chegou a hora da revelação
De como envelheceste uma criança
Tomando-a pela mão...

Uma ciranda em volta da fonte
Recebo teu tapa em meu rosto
E o aceito, neste instante!

Quinze minutos ao teu lado
Sabes que eu jamais diria “não”
Todos diziam que estavas virtualmente morto
E como estavam todos errados...

Quinze minutos ao teu lado
Sabes que eu jamais diria “não”
Todos diziam que eras maria-vai-com-as-outras
E não estavam de todo errados...

Chegou a hora da revelação
De como envelheceste uma criança
Tomando-a pela mão...

Quinze minutos ao seu lado
Sabes que eu jamais diria “não”
Ninguém reconhece teu valor
Apenas eu, meu amor!

Sonhei contigo noite passada
E por duas vezes caí da cama gelada
Portanto, faça de mim uma borboleta
Em sua coleção
Mas, “leve-me para o abrigo de tua cama”
Nunca disseste a quem tanto te chama
Duas colheres de açúcar, por favor
Podes até bancar a mais fina flor
Pois também eu, o farei...

Um encontro lá na fonte
Um empurrão bem no meio do pátio
Algo que aceitarei com lentidão...

Quinze minutos ao seu lado
Sabes que eu jamais diria “não”
Ninguém reconhece teu valor
Apenas eu, meu amor!

********************

Reel around the fountain

It's time the tale were told
of how you took a child
and you made him old

It's time the tale were told
of how you took a child
and you made him old

Reel around the fountain
Slap me on the patio,
I'll take it now...

Fifteen minutes with you
well, I wouldn't say "no"
Oh, people said that you were virtually dead
and they were so wrong

Fifteen minutes with you - Oh, I wouldn't say "no"
Oh, people said that you were easily led
and they were half-right

Fifteen minutes with you - Oh, I wouldn't say "no"
Oh, people see no worth in you, but I do

I dreamt about you last night
and I fell out of bed twice
You can pin and mount me like a butterfly
But "take me to the haven of your bed"
was something that you never said
Two lumps, please
You're the bee's knees
but so am I

Oh, meet me at the fountain
Shove me on the patio,
I'll take it slowly...

Fifteen minutes with you - Oh, I wouldn't say "no"
Oh, people see no worth in you, but I do

07 julho 2008

Chuva


Cefas Carvalho


Nove e quinze da noite
Uma canção de Cartola inunda a sala
Uma chuva rala cai lá fora
Cubos de gelo dançam em transe
Em um copo sempre cheio.

O copo não se esvazia
O coração, sim.

Onze e quinze da noite
De uma noite que não terá fim
Um vazio que transborda o mundo...
Cubos de gelo bailam em delírio
Em um copo sempre presente

Enfim, o copo se esvazia.
O coração também.