22 fevereiro 2011

Sobre “True Grit” ou Os Irmãos Coen nunca erram


Cefas Carvalho

Assisti ontem, segunda dia 21, ao filme “Bravura indômita” e a primeira coisa a dizer sobre o filme é que ele deveria se chamar “Coragem verdadeira” ou “Um homem de caráter”, traduções aceitáveis para o “True grit” orginal. Por definição, “grit” é “firmeza de caráter”, “arrojo”. Também pode significar “brita”, “pedrinha”. Ok, a intenção da distribuidora era registrar que trata-se do remake do clássico de 1969, que deu o Oscar de ator a John Wayne (ele está ótimo naquele filme, mas suplantar Jon Voigt e Dustin Hoffman em “Perdidos da noite” e Richard Burton em “Ana dos mil dias” é brincadeira!).
A consideração inicial me faz lembrar a vocação que as distribuidoras brasileiras tem para “traduzir” títulos de faroestes (geralmente colocando títulos ridículos ou sem-noção). Exemplos são "Shane", que virou “Os brutos também amam” e “My Darling Clementine (Paixão dos fortes). Mas, isso é assunto para outro artigo. Vamos ao “True grit”.
Quase todo cinéfilo que o valha já discutiu a obra de Ethan e Joel, os irmãos Coen. Os fãs registram o óbvio: os Coen não erram, não fazem filmes ruins. Os detratores ou não-encantados com a dupla registram que eles podem não fazer maus filmes, mas nunca fazem nenhum filme realmente empolgante, arrebatador, por mais que ganhem prêmios (Uma palma de ouro em Cannes, Oscar de direção, dois Oscars de roteito, entre muitos outros).
O dramaturgo paulista Mário Bortolotto chegou a ensaiar uma polêmica na rede social Facebook justamente afirmando que jamais se encantou profundamente com nada que os Coen fizeram. Lembraram que, em compensação, os Coen nunca erraram a mão como já o fizeram os mestres Fellini (“Cidade das mulheres”), Bergman (“O ovo da serpente”) e Chaplin (“Monsieur Verdoux”).
Na verdade, na minha ótica os Coen fizeram, sim, um filme superlativo: “Onde os fracos não têm vez”, tradução banal e simplista para o poético “No country for old men”. Tudo ali funciona. Das interpretações magistrais de Javier Bardem e Tommy Lee Jones ao clima “seco” do filme (que sequer tem trilha sonora), passando pelo tema da ambição e estudando a violência dos dias de hoje. Tudo com fotografia e roteiro de primeira e o “estilo Coen” á última potência. Um clássico desde já.
Agora, os Coen conseguem a façanha de produzir outro clássico instantâneo adaptando um romance estilo faroeste apenas razoável da década de 60 e que já tinha sido adaptado com sucesso. Quem leu o livro assinala que a adptação é fiel. Contudo, o filme tem o “estilo Coen”. Humor negro aos borbotões, personagens estranhos, cinismo, violência, a fotografia sempre fantástica de Roger Deakins, ótima direção de atores. Jeff Bridges está fantástico como o beberrão Rooster Cogburn.
A trama é um apanhado de clichês do faroeste: jovem cujo pai foi assssinado contrata um pistoleiro policial federal para apanhar o criminoso. No caminho, problemas, desventuras e violência. Mas, dos clichês, os Coen (como Almodóvar) fazem um filme “deles”. No frigir dos ovos, os fãs dos Coen vão adorar. Os detratores vão encontrar o que criticar (os clichês, o bom mocismo de Cogburn no final, o tema escolhido, o fato de ser um remake). Enfim, mais de uma vez já assinalei que não assisto filmes com olho crítico. Gosto de autores e filmes por empatia e intuição. E os Coen mantiveram – em relação a mim - a tradição de me fazer esperar o próximo filme deles, seja que tema for, seja com quem for. A esperar. E até lá, rever parte da obra da dupla, como “Barton Fink”, “Fargo” e “Gosto de Sangue”.

15 fevereiro 2011

As leitoras de Renoir



Cefas Carvalho

Devoto que sou da pintura impressionista (como também o sou da literatura francesa do século 19), tenho Gauguin, Manet e Cezanne entre meus favotitos eternos. Mas, de todos os impressionistas, o meu favorito sempre foi Renoir. Não sou estudioso de artes plásticas, portanto, não gosto nem analiso por critérios e padrões técnicos. É gosto e empatia mesmo. Tem muito a ver em ter conhecido a obra de Renoir ainda criança (vale um agradecimento público aos meus pais por terem me comprado a coleção Gênios da Pintura quando eu tinha dez anos de idade) e pela impressão – perdão pelo trocadilho – que ele e os demais impressionistas me causaram.
De Renoir, gosto de quase tudo. Da leveza de “Mulher com sombrinha” ao raios-X social de Paris em “O baile no moulin de La Gallete”. Mas, tenho encantamento mesmo é pelas leitoras de Renoir. Sim, o mestre pintou diversas telas em que jovens se dedicam (às vezes com atenção, às vezes negligentemente) à leitura de livros. Sempre imaginei que livros seriam aqueles. Romances da época? Poesias? Aquelas meninas preferiam Stendhal ou novelinhas água com açúcar?
A devoção das leitoras de Renoir aos livros me remete a um trecho que li em algum livro de Balzac ou Stendhal (ah, maldita memória que me falha!). Dois jovens aristocratas parisienses conversam sobre a beleza e formosura de tal moça, quando um deles critica: “Ela é bela, mas culturalmente deixa a desejar. Tudo bem que sabe tocar piano e canta algumas árias de óperas. Também lê um pouco, pelo menos aqueles romances clássicos históricos que estão fora de moda...
Espere aí, então o rapaz considera a moça inculta porque ela apenas toca piano, canta trechos de ópera e lia Alexandre Dumas e Walter Scott? Que se dirá das moçoilas de hoje, às voltas com as novidades do BBB, ascenção profissional, mundo fashion e novidades para o cabelo? Daí talvez meu fascínio pelas leitoras da Belle Epoque. O fascínio por uma cultura social – a da leitura – que parace estar morrendo, principalmente no Brasil, triste país dos trópicos em que ler em lugares públicos (praças, recepções de clínicas médicas, filas de banco) é não apenas raro e estranho, como visto com maus olhos. As leitoras, o impressionismo, Renoir, tudo parte de um mundo que parece cada vez mais ultrapassado e condenado ao fim.

02 fevereiro 2011

Cada um vê o que quer




Cefas Carvalho

O recebimento de um e-mail sobre os supostos milagres contidos no manto de Nossa Senhora de Guadalupe e as posteriores discussões sobre o tema (nas redes sociais e na vida real) me levaram a retornar velhas pesquisas sobre o fenômeno da apofenia.
Na definição tradicional, Apofenia explica o fenômeno cognitivo de percepção de padrões ou conexões em dados aleatórios. Termo criado pelo professor alemão Klaus Conrad, em 1959, ele consiste em importante fator na criação de crenças supersticiosas, da crença no paranormal e em ilusão de ótica.
Trocando em miúdos: cada um vê o que quer. De acordo com cada crença, histórico, medos e circunstâncias de vida, claro. Um cristão que vê o rosto de Jesus em uma mancha na janela ou no café derramado no chão, está vivendo o fenômeno da Apofenia. Mais exatamente, um tipo de Apofenia denomonada Pareidolia.
Em definição, pareidolia descreve um fenômeno psicológico que envolve um vago e aleatório estímulo (em geral uma imagem ou som) sendo percebido como algo distinto e significativo. Exemplos comuns incluem imagens de animais ou faces em nuvens, em janelas de vidro e em mensagens ocultas em músicas executadas do contrário.
Estudando o tema, leio que “ocorrências de apofenia frequentemente são investidas de significado religioso e/ou paranormal ocasionalmente ganhando atenção da mídia”. Isso explica porque tantas pessoas vêem os rostos e Jesus ou Maria em qualquer coisa: panos velhos, árvores, manchas de óleo, paredes com infiltração.
É famosa a imagem do “rosto em Marte”, que muitos garantem ser a imagem de Cristo. Na verdade, trata-se da foto de uma cratera marciana que, no ângulo que foi tirada e com as devidas sombras, se assemelha a um rosto humano graças justamente à pareidolia.
Antropólogos registram que, por carga genética, o ser humano procura ver faces humanas em tudo, como uma tentativa instintiva de estar perto da própria espécie. Isso explica porque vemos o “relógio triste” (como na foto acima). E também porque bastam um circulo, dois pontos e uma linha para termos a impressão (ou a certeza) que trata-se de um rosto humano.
Pesquisando mais sobre o tema, leio que “em situações simples e ordinárias, este fenômeno fornece explicações psicológicas para muitas ilusões da mente como, por exemplo, as visões de OVNI alienígenas, mensagens gravadas ao contrário em músicas, Monstro do Lago Ness, Pé- Grande e a face de Jesus em Marte”. Ou seja, como o ser humano não consegue viver sem a presença de sobrenatural, da-lhe apofenia e criatividade para cada um ver o que lhe aprouver...