24 julho 2007

Queríamos só zoar com as putas



Cefas Carvalho

Para quem como eu morou alguns anos na zona Sul do Rio de Janeiro e em Natal estudou no Colégio Maria Auxiliadora convivendo com amigos que estudavam no Marista, Salesiano e outros colégios religiosos-elitistas não é dificil entender o processo operacional e emocional dos quatro playboys que espancaram uma doméstica na capital carioca há três semanas, em fato que chocou o país. Muitos preferem partir para análises mais profundas, como se o fato fosse gerado pela crise moral do país ou pelo caos na comunicação entre pais e filhos, mas minha análise é mais para filosofia de botequim: filhinhos de papai, em geral, tem uma visão deformada da vida em sociedade e das diferenças. para eles, eles próprios são uma casta superior e qualquer coisa que não faça parte de seu universo sócio-econômico e de seu mundinho perfeito-imaginário (negros, gays, índios, putas, mendigos) é algo inferior, que merece - e pode - ser mutilado, exterminado. Ou “zoado”, para usar um termo utilizado por um dos playboys detidos no Rio, Rubens Pereira Arruda Bruno, 19 anos, universitário, morador da barra da Tijuca. Em seu depoimento á polícia ele disse que espancaram a doméstica por engano, pois queriam “apenas zoar as putas”. Ou seja, queriam apenas se divertir. Presume-se, portanto, que as putas de baixa e média categoria, as que ficam nas ruas, são seres humanos de segunda classe, que podem (devem?) sofrer chutes e socos em prol da “diversão” de filhinhos de papai endinheirados, ociosos e bêbados. O raciocínio do infeliz Rubens Bruno é similar ao usado por um dos assassinos do índio Galdino, há alguns anos. “pensamos que fosse um mendigo”. Ou seja, mendigo está lá nas ruas para isso mesmo, para ser queimado vivo, ou chutado, espancado, retalhado. Mendigo não é gente, pensam estes filhinhos de papai. Mas, a questão é que o que acontece em Brasilia e no Rio poderia muito bem acontecer em Natal. O raciocínio dos playboys nataleneses é similar ao dos rapazes do Sul Maravilha. Quem tem dúvida, que frequente barzinhos, festas e forrós onde estes indivíduos frequentam e observe como eles tratam garçons, flanelinhas, engraxates, qualquer outro ser humano que não faça parte da sua “tchurma”, que não compre roupas na Colcci, Stalker e Adji, não tenha um carro do ano dado por painho quando passou na faculdade para a Universidade paga, é um ser humano inferior. Talvez nem chegue a ser gente. Já presenciei na mesa ao lado filhos de políticos “zoarem” um garçom em um bar da moda por uma bobagem. Teve até o tradicional “você sabe com quem está falando?”. Apesar da divulgação maciça do caso dos playboys cariocas, nada indica que este tipo de gente mudará. Domésticas, putas, negros e gays que fiquem em alerta: pode ter um playboy querendo “zoar” com você!

16 julho 2007

Escolhas...



Cefas Carvalho

Tudo na vida são escolhas. Lembrou da frase que ela disse. Sempre recordava aquela frase. Naquela manhã, mais do que nunca, quando viu o ônibus azul destroçado, aberto em ferragens, pessoas estiradas no asfalto (vivas ou mortas?) e ambulância do Samu à espera dos infelizes. Assistiu à cena - que parou o tráfego e o atrasou em seus compromissos – da janela de outro ônibus azul, com itinerário um pouco diferente do primeiro. Deixara de ir no ônibus que colidira – e suportara esperar mais dez minutos – para andar um pouco menos, ao fim da viagem. Se tivesse escolhido viajar no primeiro ônibus, que passou dez minutos antes do ônibus que pegou, poderia estar agonizando no asfalto. Fizera, sem saber, claro, a escolha certa. Tudo na vida são escolhas, dizia ela. Recordou quando, anos antes, uma turma da faculdade organizava uma viagem à Pipa. Tinha também um convite para uma festa, onde estaria uma mulher que o interessava á época. Quase optou pela farra com os amigos, mas por fim se decidiu a ficar em Natal e tentar a nova conquista amorosa. Amargou vê-la com outro na festa. Mas, no dia seguinte de ressaca, soube que o veículo dos amigo rumo a Pipa se envolvera em um acidente na estrada. Um entrou um coma, dois quebraram partes do corpo. Poderia ter sido ele. Fizera a escolha certa. Anos mais tarde, entrou em um videolocadora para devolver um filme. Hesitou entre entregar a fita à atendente loira da esquerda ou à morena, mais à diretira. Optou pela segunda. Conversaram sobre filmes, dias depois trocaram telefones e um ano depois se casaram. Fizera a escolha certa. Depois ouviu dela a teoria sobre escolhas. Sabia que cada vez que acordava teria uma série de escolhas para fazer. Uma delas poderia mudar sua vida. Ao escolher entre um elevador ou outro, sabia que poderia estar optando entre a vida e a morte. Desta forma, vivia em permanente estado de livre arbítrio, governado pelo acaso -muitas escolhas e seus resultados são ditadas pelo acaso - e pela sua intuição. No dia seguinte ao acidente com o ônibus azul que quase o vitimara, teve o pressntimento que não deveria ir trabalhar. Um arrepio lhe percorreu à espinha. Decidiu simular uma enxaqueca e ficar em casa. Assistiu à esposa ir para o trabalho e se concentrou em sua caseira ociosidade. Considerava-se uma espécie de sensitivo. Ligou a TV. Acidentes, tiroteios, mortes... nada disso podia lhe afetar. Entrou no banheiro para escovar os dentes após tomar café. De repente, escorregou na poça da água no chão no banheiro e bateu a cabeça no mármore da pia. Deitado no chão sangrando na testa, lembrou de sua mulher dizendo: “Molhei o chão todo, não sei se enxugo agora ou se corro para o trabalho”. Ouviu-se dizendo: “Deixe que eu enxugo, querida”. Não enxugara. Não deixara ela enxugar. Fizera a escolha errada. Pensou nisso até sentir sua vida indo embora, esvaindo-se lentamente de seu corpo...

12 julho 2007

Estilhaços



Cefas Carvalho

Rasguei o passado, rompi os tratados
Icei âncora e naveguei em outros mares nunca
Antes navegados

Rasguei os diários, os relatos
Destruí os sonetos
Lancei por terra papéis, porta-retratos
Projetos, sonhos mal feitos

Atirei pela janela as contas
As malas já prontas
Os manuais de instrução
Quebrei o interfone, o portão
As boas intenções
Queimei o livro dos sermões, os cordéis
Estilhacei cartas, papéis
Destruí minhas alianças, meus anéis

Investi contra moinhos, mapeei
Novos caminhos
Da lei, fiz só rascunhos
Destruí com os meus punhos
Meus totens tão mesquinhos

Amassei os versos, parti espelhos
Engoli os verbos, fiquei de joelhos
Abri mapas, fechei portas
Escrevi torto por linhas tortas

Por você…