20 maio 2009

A vida é doce


Cefas Carvalho

Comprou uma bala para a noiva. Era pródigo em presentes para Cândida. Desde o início do namoro, a mimava com bombons, chocolates recheados, trufas... Ela adorava profiteroles. Ele a levava para bomboniéres e cafés finos, onde se fartavam com guloseimas. Com a amada, a vida era doce. Estava apaixonado por ela, queria casar, ter filhos. Ela concordava, mas nunca com muito ânimo. Ele achava que era uma questão de tempo, e continuou a fartá-la com doces, biscoitos. Até que recebeu um envelope anônimo contendo fotos de Cândida aos beijos e abraços com um homem. A foto era recente, não havia dúvida. Ela usava um vestido que ela havia lhe dado semanas antes. Chegou sorrindo ao apartamento da noiva. Ela também o recebeu sorrindo. Ele anunciou que tinha um presente para ela. Quero agora, pediu Cândida. Ele o deu. Uma bala certeira bem no meio da testa.

11 maio 2009

O rio


Cefas Carvalho

(Baseado em história relatada por Victor Hugo Zamora)

Um rio há adormecido em cada infância,
rio seco ou de enchente, intempestivo
rio que não cresceu
(Zila Mamede
)

As nuvens anunciavam chuva, mas isso em nada abalava a felicidade do menino, que, de mão dada ao pai, chegava à margem do rio. Esperava o sol, mas, a verdade era que, estando ao lado do pai em um passeio como aquele, poderia desabar uma tempestade que não teria importância. Talvez seja até mais divertido se chover, pensou. Mas foi o sol quem deu as caras quando, enfim, chegaram à beira do rio.
Aos dez anos de idade, começava a descobrir o mundo. Pelo menos o mundo de verdade, não aquele de contos de fadas em que a mãe o trancafiava na mansão onde moravam. Começava a sentir-se um rapaz. Vontade de usar calças compridas. Uma colega de classe - Amélia – o olhava de forma estranha e pedia para lhe ensinar equações matemáticas...
Mas, nada em sua vida se comparava a um convite do pai para um passeio. Sentia o coração bater mais rápido quando o pai, com a voz grave, coçava barba e bigode e propunha saírem para algum lugar. Corria para o quarto, colocava um calção, uma camiseta branca, as sandálias de couro e se postava na porta de casa, à espera da figura grande e pesada que vestia o casaco, beijava a esposa – sua mãe – e oferecia a mão pesada para iniciarem o passeio.
Amava o pai. Mais que isso, o admirava, tanto pela sua proximidade como pela sua distância. O pai era escritor, militante cultural. Ensinava filosofia em diversas universidades, viajava muito, dando palestras. O filho sofria com os muitos dias de ausência do pai, mas ardia de orgulho em ver os livros com o nome do pai na lombada.
Naquela manhã de domingo, não havia mais distância. Apenas o sol perfeito, moderado, e o rio à frente dos dois. Sacaram do protetor as varas de pescar e após terem fixado os insetos mortos – coletados na véspera – nos anzóis, se posicionaram à beira de uma imensa árvore para esperar os peixes. Conversaram. O pai falava muito durante os passeios. Sobre tudo, sobre o céu e terra, sobre deus (ou a inexistência dele) e sobre os dinossauros (igualmente inexistentes, pelo menos na atualidade).
Contudo, naquela manhã o pai se mostrava mais silencioso, lacônico até. Certo, estava acostumado aos silêncios dele, do seu olhar distante, como se estivesse mentalmente escrevendo um livro ou formulando no espírito uma nova teoria filosófica. Mas, dificilmente o pai mantinha tanto silêncio durante um passeio. Por fim, pescaram um peixe, como sempre, no anzol do pai, como se os peixes adivinhassem... celebraram o feito e, como sempre faziam, o menino media com uma fita métrica, o tamanho do pescado. Vamos colocá-lo no cesto e levá-lo para a mãe?, perguntou o menino. Não. Este, vamos devolvê-lo ao rio, afirmou pesadamente o pai, atirando o peixe à água.
Resolveram mudar de posição e foram para outro lado do rio, de águas mais profundas e quentes. Antes disso, comeram sanduíches de frango e beberam suco de uva. O pai continuava estranhamente silencioso, embora perguntasse de quando em quando sobre seu desempenho na escola e suas leituras.
Uma leve chuva caiu, pintando o rio de borbulhas e atiçando os peixes, que fugiam dos anzóis. Quando a chuva se foi e o sol lentamente voltou, o pai propôs deixarem as varas de pesca à margem e entrar mais um pouco na água morna. Entraram no rio até a altura dos joelhos, e o menino podia sentir os peixes miúdos passando por entre suas pernas. O menino, olhava encantado para o horizonte e o pai, por trás dele, colocou a mão carinhosa e pesada em seu ombro.
- Meu filho, quando eu tinha a sua idade, pensava que o mundo era belo e grande. Sonhava em viajar, em conhecer pessoas e lugares, em aproveitar a vida. Não posso dizer que não fiz nada disso, mas, descobri que o mundo é o contrário do que eu pensava. O mundo é um lugar feio e sujo, meu filho. Sim, não faça esta cara. O mundo é governado por pessoas sem caráter, e são justamente elas que fazem as leis, que julgam as pessoas e que tem o poder de prender e soltar. O mundo é injusto, meu filho, não importa o que você faça, outras pessoas terão mais vantagens que você por relações familiares, de poder ou ainda mais espúrias. Sei que você não está entendendo muito do que digo, filho querido, mas, saiba que é verdade: este mundo não presta. Você pode passar uma vida lendo, obtendo conhecimentos, lutado para ser um humano em essência, mas de que vale isso em um mundo onde o ter vale mais que o ser. As pessoas te julgarão, como me julgam, pelo que tenho e pelo que conquistei de material. Sou um bom professor? Sou um homem inteligente? Talvez, mas só me aceitam em sociedade porque temos uma bela casa, porque temos um carro com motorista. A vida é assim, meu filho... isso porque ainda nem falei das infidelidades, das traições, das culpas, das omissões, dos interesses, das ganâncias, da estupidez, da sede de sangue que marca do gênero humano, da rede de intrigas e mentiras que rege este mundo... sim, meu filho, por que viver em um mundo como este? Que pai que ama o filho pode deixar que ele viva em um mundo como este? Um pai amoroso pode deixar que um filho querido enfrente tanta maldade, tanta dor?... É por esta razão que faço isso, meu filho, por amor demais a você, amor demais...
O menino parou de se debater e sua cabeça pendeu de vez. O pai pegou o corpo do menino no colo e, saindo da água, repousou-o na terra úmida perto de uma árvore. Sabia que tinha feito a coisa certa. Guardou as varas de pesca e olhou para o rio, tristemente.

05 maio 2009

A ressurreição do mestre Coppola




Cefas Carvalho

Há tempos, vinha lendo nos blogs e sites especializados sobre o novo filme de Francis Ford Coppola, “Tetro”, que em breve chegará aos cinemas. Eis que dando uma espiada no blog Bazar, do amigo Alex de Souza, jornalista bom pra danado, deparo com o trailler do novo Coppola que o cidadão botou no seu blog. Após os dois minutos de cenas em p&b, cenografia caprichada, um clima nostálgico e as presenças de gente como o esquisito Vincent Gallo e a musa Maribel Verdu, fui tomado pela emoção. Será a ressurreição do velho Coppola? Sim, porque quando o vírus da cinefilia se apossou de mim nos anos 80, o homem era um mito. Havia feito “O poderoso chefão 1 e 2” (na época não havia o 3, que é de 1990) e “Apocalypse now”, filme que arrebatou minh´alma e, presumo eu, toda uma geração de cinéfilos. Ainda realizou uma obra como “A conversação”, filme denso e misterioso. Fez filmes de baixo orçamento que amo até hoje, como “Rumble fish” e “Outsiders”, além do lindo e pouco visto “No fundo do coração”. Mas aí veio a decadência: o irregular “Jardins de pedra”, o mediano “Cotton club” e o sofrível “Jack”. Certo, mesmo decadente, o homem realizou “Dracula de Bram Stoker”, um das coisas mais sensacionais que assisti numa sala de cinema, mas também cometeu um clipe imenso - e chato- para Michael Jackson. O horror, o horror... Mas eis que com “Tetro”, que conta a história de um rapaz que viaja para Buenos Aires para resgatar a história de sua família e a própria história, o Coppola dos velhos tempos pode renascer. Se até Mickey Rourke – deformado e ex-alcóolatra – tal qual fênix ressurgiu das cinzas com “O lutador”, porque não o bom e velho Coppola. Que os deuses do cinema abençoem a nova obra do velho mestre, que chega aos setenta anos.