26 outubro 2009

O dia em que Jesus não foi crucificado


Cefas Carvalho

Por pura coincidência, na semana passada acabei tendo como tema, em três conversas distintas, a encenação na Paixão de Cristo em Nova Jerusalém. Todas sobre como o espetáculo perdeu seu encanto com a modernidade e a “invasão” de atores globais nos papéis principais. Nada mais a ver com a coisa rústica que, dizem, existia nos anos oitenta. Hoje, me relataram, as fãs dão gritinhos enquanto Thiago Lacerda está sendo crucificado como Jesus e, sem resistir aos apupos, chega a sorrir e piscar o olho para as moçoilas em vez de sofrer e gritar Pai, por que me abandonaste?! Deve ser coisa do mundo globalizado.

Esses papos me recordaram histórias outras envolvendo encenações da paixão de Cristo. Uma delas, salvo engano, me foi relatada pelo amigo jornalista Rômulo Estânrley e ganhou manchetes de jornais à época, anos noventa. Macaíba realizava sua Paixão de Cristo habitual, os atores se empenhavam nos seus santos papéis, quando, re repente, o centurião começa a flagelar Cristo que segurava a pesada – mas de isopor, na peça, claro – cruz às costas. Eis que um sujeito que bebia suas canas desde manhã cedinho e já estava meio triscado, se emociona mais do que deveria e pula no meio dos atores com a peixeira levantada para o centurião: Aqui em Macaíba você não vai bater em Jesus, não, seu cabra safado!, e foi um tal de gente correr para todo lado. No frigir dos ovos, a intenção do bebum acabou se realizando: naquele ano, pelo menos em Macaíba, Jesus foi salvo da cruz.

Outra anedota do gênero, me foi contada há anos por uma amigo e teria acontecido num município da região Oeste deste Rio Grande do Norte. O dono de um circo mambembe resolveu montar uma paixão de Cristo no período de Páscoa. Colocou sua mulher como Maria Madalena, ele próprio no papel de Centurião e escolheu para Jesus o trapezista cabeludo que era o bonitão do circo. Pois, com o circo lotado, a trupe começou a encenar a paixão, quando, numa breve pausa, o dono do circo flagrou num canto escondido sua mulher aos beijos com o Jesus pé de lã. Possesso, resolveu se controlar e continuar o espetáculo. Contudo, quando chegou a cena de Jesus carregar a cruz sob o flagelo dos soldados romanos, a raiva bateu mais forte no marido traído e lapt lapt com o chicote nas costas do Jesus bonitão. Na terceira chibatada o Jesus olhou para trás nervoso, foi quando o cornudo não agüentou mais e gritou: Gosta de pegar mulher dos outros não, é, felá da puta, pois tome mais essa e essa!, e novamente foi gente para tudo que é lado com a confusão. Também neste espetáculo Jesus escapou da crucificação...

15 outubro 2009

A barata

Cefas Carvalho


O bicho, enorme, asqueroso, entre o preto e o marrom, passeava pela casa, imponente, como se fosse seu dono. Para não confessar a minha filha o medo que tenho de barata, disse a Sofia que a barata se chamava Kafka e que estava nos fazendo uma visita. Besteira, mamãe, você está falando isso para disfarçar seu medo!, respondeu, do alto da sabedoria que seus seis anos lhe davam. Irritada, decidi pegar a vassoura para matar a intrusa, mas, quando ela atravessou a sala rapidamente, pelo tapete, dei dois passos para trás e quase tropecei na mesa de jantar. Viu, mãe, você está morrendo de medo!, zombou Sofia. Desafiada e já nervosa – com a barata e com a petulância da menina – perguntei se ela não tinha medo. Respondeu que não. Então por que não mata você a barata?, provoquei. Primeiro porque matar insetos é tarefa das mães, não das filhas. Segundo, porque você disse que era uma visitante. Desisti da vassoura e bebi um copo d´água para me acalmar. Não sabia se repreendia minha filha ou se tentava achar a barata debaixo do sofá. Decidi pela segunda opção, mas, após afastar o sofá, virar o tapete e quase derrubar a cortina, não tive sucesso. Sentei no sofá, fora do lugar, e comecei a chorar, baixinho. Sofia veio em minha direção e me abraçou. Mamãe, eu retiro o que disse. Matar baratas não é tarefa para as mães, mas para os pais!, sorriu. Não segurei o choro e desabei a cabeça entre as mãos. Sofia alisou delicadamente meus cabelos. Mamãe, o papai vai voltar? Não, minha filha, ele foi de vez. Tem certeza, mãe? Tenho sim, filhinha. Então vamos nós duas matar esta barata, mãe. Como é mesmo o nome dela? Kafka!, sorri. Por que este nome estranho? É uma brincadeira com o escritor muito famoso que escreveu um livro sobre um homem que se transformava em uma barata gigante. Que coisa estranha, mãe! Um dia você me conta essa história? Conto sim, juro!, sorri, voltando a sentir a alma tranqüila. Neste momento, a barata saiu de trás da cortina, parando como que para nos olhar. Sofia correu para ela pelo lado esquerdo e ela, Kafka, sem alternativas, correu para a minha direção. Golpeei-a com a vassoura, uma, duas, três vezes até que vimos, eu e Sofia, os restos do inseto esmagado e um líquido esbranquiçado no tapete. Nojo? Que nada! Nos abraçamos, morrendo de rir de nós mesmas.