24 outubro 2012

Usuário do Facebook acredita em tudo que lê


 Cefas Carvalho

Lembro que na minha infância, em meio às conversas de crianças sobre como tinha sido o fim de semana ou o que os pais tinham nos comprado, volta e meia aparecia alguém para dizer que tinha passado o domingo em Nova York ou que o pai tinha comprado uma limusine. Eu achava estranho uma criança da minha idade mentir de forma tão evidente, mas, achava ainda mais estranho que outras crianças acreditassem naquilo. Na adolescência, histórias semelhantes. Rapazes cheios de testosterona relatavam histórias de conquistas amorosas totalmente cheias de contradições e “furos”, mas, muitos amigos acreditavam. Pior: Amigos e amigos meus em 1989 diziam que não votariam em Lula para presidente da República porque acreditavam na campanha desleal de Collor que dizia que o petista, se eleito, iria tomar os apartamentos das famílias de classe média e dividir com os sem terra.
Evoquei essa sessão nostalgia para ilustrar que ao longo da minha vida inteira percebo a paixão das pessoas por acreditar. Simplesmente acredtar, crer, em algo ou alguém. Acreditar em um deus, uma religião, um padre, um pastor, um cartomante, um pai de santo, acreditar que a história que o sujeito conta na fila do banco é verdadeira, acreditar que o cara que nos pede uma esmola vai usá-la para comprar leita para os filhos. Faz parte do ser humano crer. Seja lá no que for.
Até o surgimento das redes sociais, em especial o Facebook, esta característica humana, demasiadamente humana, me parecia até discreta, cada vez mais pontual. Contudo, hoje, tenho a percepção real da necessidade humana de acreditar.
Usuários do Facebook acreditam em tudo, absolutamente tudo. Para a média deles, tudo o que se diz, o que se denuncia, o que se divulga, é verdadeiro. O axioma de que tudo é verdadeiro até que se prove o contrário, é elevado a última potência.
Desta forma, vemos pessoas letradas, bem informadas, que sempre tiveram acesso à educação formal e à informação, terem comportamento igual a uma velhinha no interior que acredita que se comer manga com leite vai passar mal.
Passamos anos no colégio aprendendo sobre como funcionam os poderes Executivo e Legislativo. Basta alguém postar uma mensagem dizendo que se compartilharmos ela um milhão de vezes, tal coisa vai virar lei.
Sabemos que as emissoras de TV são concessões públicas e também empresas privadas com fins lucrativos, e mesmo assim compartilhamos mensagens contra o Big Brother Brasil, pois com um milhão de compartilhamentos, o problema será suspenso.
Divulgamos fotos de crianças perdidas sem informações consistentes sobre sua família, cidade e bairro onde reside, telefone fixo da família, nomes dos pais.
Compartilhamos imagens de crianças doentes sem sabermos nome, idade, onde mora e qual a doença, pois a cada compartilhamento o Facebook dará 5 centavos para a família dela.
Repassamos frases engreçadas e espirituosas de literatos, atores e gente famosa sem termos certeza se realmente as frases são dessas pessoas, sem conhecemos as obras dessas pessoas.
Enfim, acredita-se em tudo. O usuário médio do Facebook decidiu que tudo que épostado na internet é verdade. Ele não lêu Clarice Lispector, na verdade tem uma vaga idéia de quem ela é, mas, viu uma frase bonita sobre flores e passarinhos atribuída a ela e decide compartilhar com os amigos. Recebe uma mensagem de que a partir de tal data o Facebook será pago e imediatamente repassa para os amigos, preocupado. “Notícias” humorísticas de sites como Kibe Loco e o Sensacionalista são repassadas e comentadas como se fossem notícias reais.
Temos a internet, temos Ipod, Smartphone, TV a cabo, mas, nosso imaginário ainda é como o dos povos primitivos que acreditavam que se fizessem a dança da chuva, os deuses derramariam tempestade sobre a terra. Mas, vamos manter a esperança. Afinal, como disse Shakespeare, “não devemos perder a fé na humanidade e na sua evolução”. Ou terá sido Luís Fernando Veríssimo quem escreveu isso? Ou Clarice Lispector.