23 dezembro 2011

O desespero diante da página em branco

Cefas Carvalho

Acordei antes das oito, segui os mesmos velhos rituais – o banho, fazer a barba, suco de laranja, cortar as unhas – e me lancei em frente à tela do computador (também ele cheio de rituais; inicializar, lançar sons, abrir “janelas”, comunicar que o antivírus está instalado...) na tentativa de escrever o texto que me fora pedido.
Na verdade, eu já o havia iniciado. Dispunha do primeiro parágrafo já pronto, o conceito já definido e os “ganchos” para unir começo e fim, como manda o manual de uma boa redáção, se é que existem regras para uma boa redação. Enfim, o texto era um feto já gerado, vivo, esperando apenas o mínimo necessário para crescer e vir ao mundo.
Contudo, a mente não produzia o alimento deste feto e os dedos tamborilavam a fórmica da mesa do computador, esperando a convocação para transformarem idéias em letras, palavras, frases, mas, era inútil.
Percebi que o branco da página do Word, no computador, é ainda mais solitária e assustadora que a papel de celulose. É um branco brilhoso, de onde irradia uma luz esquisita. Isso sem falar que, durante o “branco mental” é fácil recorrer à Internet, música, imagens, tudo que prejudica o oficio de escrever, enfim.
Mantive a calma, desliguei o computador e recorri a uma velha amiga, a folha de papel ofício A4, companheira de tantas noites febris nos tempos em que o computador parecia um devaneio dos filmes norte-americanos. Armado com a fiel escudeira que era a caneta Bic cor azul, tratei de macular o papel com rabiscos, na esperança de que, pela magia do contato da tinta da caneta no papel, as idéias transformassem em um texto. Mas, nada. Nada além de palavras soltas, frases desconexas, cubos desenhados em terceira dimensão e jogos da velha onde eu enfrentava a mim mesmo. Retomei ao truque velho de escrever o próprio nome, várias vezes: Cefas, Cefas, Cefas, depois a assinatura, tal qual no documento de identidade, e depois a forjar assinaturas. Amassei o papel e retomei à suposta seriedade para enfrentar a folha em branco.
Decidi recorrer à sabedoria alheia. Quem sabia se escrevendo pensamento e idéias de meus heróis, a inspiração não viria por osmose. Rabisquei sentenças de Shakespeare, frases de Platão, versos de Pessoa e, claro, máximas sarcásticas de Oscar Wilde. Por mim, perdi-me em letras de canções de rock até chegar a hai kais pavorosos da época em que eu tentava ser poeta. Voltei à página em branco – outra, claro – e recordei que, salvo engano, Rubem Braga havia escrito uma crônica sobre a mesma falta de inspiração.
Como seria com as outras pessoas? Outros sentiam o mesmo desepero que eu diante da folha em branco ou, diante disso, dariam uma gargalhada e se dedicariam a atividades tais como assistir um programa de TV ou ir a um shopping fazer compras?
Uma idéia me surgiu e quando lancei mão da caneta para, enfim, macular a folha em branco, parei como se acometido de uma idéia tresloucada. Havia uma vontade mórida em mim de que a folha continuasse branca – cor de pureza e da inocência – sem a intromissão da caneta, uma vez que a tinta fixada no papel se assemelhava a uma violência. Uma violência quase filosófica, posto que era irreversível (claro, é possível amassar ou queimar uma folha de papel, e uma borracha de qualidade pode apagar a tinta, mas, a folha branca original, jamais volta a ser o que era após a caneta trabalhar em sua superfície).
Debati-me uma vez mais na intenção de produzir alguma coisa, escrever nem que fosse apenas um parágrafo, quiçá uma frase, que sequer precisava ser genial, bastava apenas ter sentido.
Foi quando o texto desceu sobre mim como o Espírito Santo sobre um cristão devoto e a caneta – guiada pela mão direita nervosa – começou a trabalhar no papel...


(Texto originalmente publicado na coletânea de crônicas "Travessa da Alfândega" - organizador: José Correia Torres Neto. Selo Caravela)

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