23 maio 2008

Uma mulher vestida de lua



Cefas Carvalho

Quando percebeu os olhos dela fixos nos seus, compreendeu que aquela mulher entraria na sua para nunca mais sair dela. Como se ligados por algum código secreto, começaram a conversar como se o fizessem havia anos, como se conhecessem de outros tempos, talvez de outras vidas. Sem hesitação, sem pudores, ele pegou na sua mão e teceu elogios à sua beleza, aos seus olhos brilhantes. Celebrou sua pele clara, leitosa, como se fosse feita de lua. Era uma mulher toda vestida de lua. Não tardou que os lábios de um procurassem os do outro, como velhos cúmplices. O beijo se deu como se fosse impossível existir um mundo onde não se beijassem. Falaram sobre si mesmos, sobre a vida e sobre o futuro, juntos. Fizeram planos, viagens, filhos, obras, alegrias e prazeres. Juraram um para o outro não apenas uma vida eterna em comum, mas a felicidade eterna, quimera talvez mitológica, mas que estavam dispostos a tentar. Ele jamais se sentira tão feliz em sua vida de tantos dissabores. Deram as mãos e foram caminhar na floresta, sob as bênçãos da lua cheia e das estrelas que venciam o firmamento. Caminharam como se flutuassem. Até que por um único e breve instante ele largou a mão dela, e, aturdido, a viu flutuar, até levantar-se do chão e voar a uma distância onde não poderia alcançá-la. Ela olhou para baixo e percebeu o desespero dele, mas não havia o que fazer. Ele percebeu que ela se fora, se unir à lua, se perder no brilho inefável daquela noite mágica e trágica. Acordou de repente. Apertou os olhos, à guisa de despertar definitivamente e olhou em volta. O relógio marcava nove e quinze da manhã. Papéis e livros se espalhavam em volta do colchão, disputando espaço com as latas de cerveja amassadas e o cinzeiro sujo. Olhou o porta-retrato, onde a foto dela ainda perseverava, como uma ferrugem que se une ao metal. Olhou seu sorriso luminoso, seus olhos de paixão, sua pele da cor da lua... lembrou do sonho que tivera. Pensou em telefonar para ela, mais uma vez. Mas, desistiu. Não poderia ter a lua em suas mãos. Fora feliz e deixara a felicidade escapar entre seus dedos. Perdera para o firmamento.

13 maio 2008

Pai, por que me abandonaste?



Cefas Carvalho

Dor... que sabem estes infelizes sobre a dor? Não me venham com as dores da alma, as dores do espírito... estas são curáveis com o tempo, com uma palavra doce, com uma recordação dos dias felizes... a dor que conta é a gerada pelos cravos entrando na carne, dilacerando veias e ossos... uma dor que começa funda, intensa, depois vai diminuindo e se tornando estranhamente estável, como uma anestesia, só que à base de dor. Depois vem o cravo, um só, que entra nos pés entrelaçados, com uma única martelada, potente, decidida. A dor dos pés é mil vezes mais intensa que a das mãos e é possível ouvir os ruídos dos ossos estilhaçados pelo aço... Que sabem eles sobre dor, portanto? Não há dor que se assemelhe a esta. Não existe chibata ou espinhos em forma de coroa que possam gerar mais dor que os preços a grudar um corpo em dois pedaços de madeira a fazer - da carne e da madeira - uma maldita cruz, que nada tem de sagrado. É um método de infligir dor e morte a um homem, que deixa de sê-lo após pregado na madeira como um animal. E passam as horas e a dor nem aumenta e nem diminui, apenas se modifica. Vem em ondas, em camadas. Uma dor aguda, latejante, que quase leva à inconsciência, mas, infelizmente, não é forte o suficiente para trazer o sono ou tirar a vida. Dor... que sabem ou saberão tantos milhões de infelizes sobre a dor? Só sabe sobre a dor quem tem três cravos imensos mesclados ao corpo e vê àquela desgraçada mulher que teve a má sorte de me parir chorando na areia ao testemunhar com os olhos que a terra há de comer o filho maldito pregado em uma cruz de madeira. O que, em meio a tanta dor, eu poderia gritar para o mundo, senão Pai, por que me abandonaste?

12 maio 2008

Caiu a máscara de Jajá



Cefas Carvalho

Pessimista (ou realista) que sou, nunca fui muito de acreditar que as pessoas podem mudar para melhor. Geralmente, mudam para pior. Também nunca fui muito de crer que de um rio poluído pudesse sair água potável. Mas, eis que a realidade por vezes nos surpreende e nos brinda com coisas inusitadas. Neste sentido, tive uma alegria nos últimos tempos com o ilustre senador José Agripino Maia, de quem jamais esperei ter qualquer tipo de satisfação. Após tantos anos acompanhando os "rabos de palha" de Jajá e seus vitupérios contra o Governo Lula e qualquer coisa se assemelhe à Esquerda e aos movimentos progressistas, tive a satisfação de assistir a um ato falho do "democrata" em pleno Senado, por ocasião da sabatina à ministra Dilma Roussef sobre o dossiê contra os "tucanos". Agripino, tomando como base uma entrevista da ministra à Folha sobre seus tempos de presa política na época da ditadura militar, questionou se ela não mentiria no Senado como mentiu quando presa e torturada. A resposta de Dilma já entrou para a história da política brasileira e dos Direitos Humanos no país. "Numa democracia, se fala a verdade, mas numa ditadura se mente para salvar a vida dos iguais, para não morrer". Lembrou ainda que estavam em lados opostos nos anos 70, Dilma, guerrilheira, e Jajá, curtindo com a família as benesses da ditadura, prefeito biônico que foi. Dilma foi aplaudida e se entrou como investigada, saiu como heroína. Na opinião de muita gente, e minha, Agripino lançou a candidatura de Dilma à presidência da República. Leio que muitos oposicionistas se irritaram com Jajá, posto que ele não deveria ter colocado Dilma na condição de torturada por um regime brutal. É que no processo mental de Agripino, não houve ditadura e sim "revolução", como muitos ainda tratam o Golpe Militar de 64, que privou o país dos diretos básicos durante duas décadas. Talvez o ex-pefelista tenha saudades dos tempos em que familiares seus eram nomeados governadores sem disputa de votos democrática. Talvez o senador ache realmente que os jovens que se insurgiram contra um regime opressor devessem sofrer um pouco no pau de arara para "tomarem jeito". O ato falho de Agripino reflete como pensa e sente parte da elite brasileira na faixa dos 50 anos, que, no fundo, tem nostalgia dos tempos em que os militares batiam primeiro e perguntavam depois e que os prefeitos eram ungidos com base na amizade que tinham com os militares mandatários de plantão. Caiu a máscara do senador. Bem vindo à democracia, Jajá.