15 junho 2009

Loteria


Cefas Carvalho

O homem alto, corpulento, pesado como o tempo e levemente encurvado, pediu licença à senhora miúda que tentava - em vão – fechar uma sombrinha velha e postou-se na bancada lateral da casa lotérica. Tirou no bolso o papel da aposta e tentou se posicionar de forma que conseguisse enxergar o quadro de resultados. Estava ficando velho e seus olhos mais cansados.
Pediu licença ao homem – também corpulento, mas, baixo e com uns olhinhos de ave de rapina – que estava riscando um bilhete no balcão. O sujeito afastou, dando espaço, olhou para o outro e disparou:
- Vai conferir a posta, amigo? Fez uma fezinha, não? Eu também fiz a minha, está aqui, ó, na minha mão. Toda semana faço três apostas, sei que um dia vou ganhar. Quem espera sempre alcança. Não é assim que diz a Bíblia? E Deus sempre premia os persistentes. Por isso eu persisto, amigão. Já pensou se a gente ganha. A primeira coisa que faço é mandar meu chefe para o inferno... Isso para não dizer pior... Aí pego o dinheirão todo e compro uma ruma de mansões, umas coberturas... Podíamos fazer umas festas de arromba, já pensou, amigão... Tudo do bom e do melhor, churrasco, carne de primeira, caviar... Não sei nem qual é o gosto, mas faço questão de caviar... E enchemos a festa de mulheres, rapaz, porque, você sabe, mulher gosta de homem estribado, com dinheiro, aí começa a chover mulher... Já pensou uma piscina cheia de mulheres e um garçom servindo uísque para a gente... Rapaz, e podemos comprar um jatinho particular, já imaginou, viajar para todo canto na hora que a gente quer?... bla blá blá...
Enquanto o homem de olhos de ave de rapina falava sem parar, o outro conferiu rapidamente sua aposta e viu que não tinha vencido. Na verdade, não acertara nenhum dos cinco números sorteados. Murmurou um até logo para o outro, que não parava de falar e voltou para casa com a cabeça tonta... Mulheres, carros, piscinas, coberturas...
Entrou em casa e, de olhos baixos, aproximou-se da esposa.
- Então, homem. Conseguiu o dinheiro e comprou o leite?
Ele não respondeu. A mulher percebeu o peso que caía sobre ele e foi para a cozinha preparar a papa de farinha para os gêmeos, que logo iriam chorar de fome. Ele foi até o quarto, olhou os bebês no berço improvisado, lamentou não ter conseguido nem o emprego desejado e nem o empréstimo com o amigo e tirou o bolso o bilhete de loteria, amassando-o e jogando no chão, ao lado do berço. Sentindo o cheiro da papa quente de farinha, tentou não chorar.

2 comentários:

Cláudia Magalhães disse...

Bom demais, amor! Tocante, humano, diz muito, nos faz refletir...

Parabéns!
Te amo.

Anônimo disse...

Cefas,

Gostei do conto. Parabéns. Simples. Direito. Focando numa única cena. Valeu.

Charles M. Phelan