13 junho 2013

A Bela da tarde

Cefas Carvalho

Como se flutuasse, em vez de pisar no chão rude do bar, Ela andou em minha direção com o meio sorriso habitual e os olhinhos misteriosos que pareciam sempre fechados. Sentou-se à minha frente murmurando um boa tarde quase imperceptível. Havia cortado o cabelo, sim, eu percebera, estava naquele momento com um corte estilo chanel, com pontas em forma de onda se adiantando para a frente. Parecia uma francesa, não obstante a pele morena. Tamborilou os dedos na mesa – sinalizando que estava mais nervosa do que gostaria – e perguntou como eu estava. Bem, respondi apenas, também sorrindo.
Ela sorria como se jamais tivesse sorrido antes daquele jeito para ninguém, para pessoa alguma. Mas, Ele sabia que ela já mostrara seus encantos para outros homens, tinha consciência de que sua natureza – feita para amar – fazia com que corpo e alma conspirassem em encontrar amor. Talvez isso fosse o que mais o atraía Nela.
Ela começou a falar do dia, da vida. Relatou alguns problemas, contou algumas banalidades. Falou sobre o tempo, chuvoso. Entre uma conversa e outra, sorria, como se fosse devorá-lo.
Ele sabia que iriam para a cama e sabia que ela não apenas sabia disso mas que era seu desejo maior, mas, fazia parte da mágica não conversarem sobre o assunto e, mais que isso, se comportarem como amigos que há muito não se viam ou como quem acabasse de se conhecer. Ele propôs um vinho tinto, mas Ela preferiu cerveja, menos sofisticada e mais parecida com o espírito Dela naquela tarde.
Ela a chamava de Bela da tarde, pela razão simples – e nada poética – de que como ela trabalhava pela manhã e à noite, tinha apenas a parte da tarde para os encontros amorosos. Ele, morava em outra cidade, também não poderia se estender até a chegada do luar. De maneira que fizeram das tardes seu ninho de amor.
Sabiam que, se desejassem, poderiam iniciar um relacionamento (eram ambos solteiros), mas, por razões além da razão, gostavam que fosse daquela forma e sem dizer uma palavra sobre o tema, haviam convencionado que seria daquele jeito – sempre às tardes, sempre de maneira suave e fortuita – até que um dos dois se cansasse do jogo.
Ele sabia que a prova maior, se não de amor, mas de algum tipo especial de afeto, que ela lhe dava, era o fato de permitir que ele lesse suas poesias e contos. Professora por ofício, possuía uma alma de poeta que lhe consumia as estranhas, por vezes. Lendo as poesias Dela, ele percebia quantos vulcões aparentemente extintos estavam pestes a entrar em erupção naquela alma. Alguns versos chegavam a assustá-lo, mas, quando levantava os olhos das folhas de papel ofício e se deparava com aquele rosto suave, se perguntava o quanto é possível alma e corpo ilustrarem tantas diferenças.
Ela segurou a mão dele e confessou que  sentiu saudades. Por que não me telefonou, para que nos encontrássemos?ele perguntou. Não era o momento. Preferi esperar a tarde de hoje, na data que havíamos marcado. Ela sorriu novamente e Ele pensou em pedi-la em casamento. Ela sabia que, por alguma razão, jamais ficariam  realmente juntos, mas, também tinha certeza que da forma que viviam, jamais se separariam.
Quer beber outra cerveja?, perguntou Ele. Não. Quero agora ser a sua Bela da tarde, respondeu, com um sorriso de carne. Ele suspirou, oscilando entre o desejo que lhe queimava como um carvão em brasa e uma pontada de dor, que sempre sentia quando se preparavam para os jogos amorosos, talvez por  saber que, depois, se separariam.
Pagou a conta, levantou-se e estendeu a mão para Ela, que a segurou com força. Sorriram um para o outro e saíram lentamente do bar.


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Imagem: Modigliani
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