01 novembro 2007

Amou demais



Cefas Carvalho

Amou demais. Sabia disso. Portanto, precisava se punir pelo excesso. Todo excesso merecia punição, assim ele pensava, desde sempre, comedido que sempre fora. Parcimonioso, desde criança, sempre fora metódico, sistemático, exato, pouco afeto a arroubos e exageros. Pontuava sua vida – emocional, familiar, profissional – pela ponderação. Tudo isso até Alice entrar na sua vida. Caiu sobre sua cabeça como uma bigorna de desenho animado. Amou Alice como jamais havia amado alguém ou algo. Com loucura, com paixão. Mudou da água para o vinho, então. Sorriu mais. Deixou-se levar pelo sabor da vida. Mudou o corte de cabelo. As roupas. Passou a freqüentar lugares diferentes. Leu novos livros. Ouviu novas músicas. Tudo com e por Alice. Um dia, Alice se foi. Sem explicação. Sem palavras. Tudo que é bom, dura pouco, disseram. Ele bem o sabia. Pensou em voltar a ser o que era. Desistiu. Não queria mais mudar. Não queria mais voltar a ser o que era. Não lembrava de como era antes de Alice. Também não queria sofrer. Sabia que viver é sofrer, mas decidiu pôr fim ao sofrimento. Também precisava se punir. Não achava que merecia mais a vida. Não sem Alice. Não queria mais viver. Pensou em repousar a cabeça no forno, após vedar as janelas. Imaginou uma bala no ouvido direito. Lâminas nos pulsos. Seu corpo nos trilhos, esperando o trem. Passou dias pensando em como proceder. Com serenidade. Com segurança. Decidiu pelo gás, suave, invisível. Vedou com massa de modelar e fita adesiva as janelas. Apagou as luzes da casa. Deixou a porta a aberta. Escreveu um bilhete para a mãe e o deixou na mesa da sala. Abriu a tampa do forno e deitou-se a cabeça sobre a grade de ferro. Com o braço, virou o botão do forno. Sentiu o cheiro doce do gás. Começou a ter sono. Pensou em Alice. Nos seus olhos castanhos imensos. Pensou nas viagens que não fizeram. Nos filhos que não tiveram. Pensou na sua vida, que chegava lentamente ao fim. Precisava esquecer Alice. Precisava de punir. Sentia um sono estranho chegar. Tinha amado demais. Mas, o amor iria acabar. Tudo iria acabar. A escuridão. O sono.

3 comentários:

Grupo Casarão de Poesia disse...

Belíssimo texto, Cefas! E triste, muito triste.

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Cláudia Magalhães disse...

Lindo, amor! Esse meu marido escreve bonito demais! Ah... Como eu te amo, amor meu!

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado