Cefas Carvalho
Meu pai, o saudoso escritor e publicitário Padre Zé Luiz, costumava brincar dizendo que o natalense era um bicho esquisito. Talvez mais até que o mossoroense, que, por viver em nação diferente (o País de Mossoró, tão mítico quanto Pasárgada e São Saruê) tem reconhecidamente hábitos e idiossincrasias diferentes dos norte-riograndenses e brasileiros. Contudo, os nascidos e moradores da Cidade do Sol possuem características estranhas, dignas de serem estudadas pela antropologia.
Começa que, como sentenciava Zé Luiz, o natalense não gosta de ganhar dinheiro. Há inclusive uma frase famosa, atribuída ao jornalista Cassiano Arruda Câmara, que reza que "o natalense gasta 200 para o outro não ganhar 20". Recordo que na minha infância, lá pelo início dos anos 80, saíamos em família para almoçar fora aos domingos. Qual não foi nossa surpresa quando uma vez nos deparamos com um cartaz na porta de um restaurante: “Fechado para almoço”. Quantas outras vezes aos domingos não saíamos para jantar o os restaurantes fechavam às oito da noite. Já na vida adulta cansei de estar em bares e restaurantes com amigos e ver garçons e donos nos olhando feio, quase expulsando (experimente contar para um empresário paulista que em Natal se expulsa do estabelecimento justamente os clientes que o mantém funcionando...)
Sobre essa vocação natalense, vivi história igualmente curiosa dia desses. Perto de onde moro há uma lanchonete que freqüento há cerca de um ano. Embora o dono - um senhor bigodudo com ares de português - não fosse um exemplo de simpatia, resmungava um bom dia quando eu aparecia lá para degustar a especialidade da casa: salgado + suco por um real. Em um belo dia, desejoso de tomar um café preto (normal, puro), perguntei a ele se não poderia substituir o suco por um café. O homem respondeu que não, que o café custava 70 centavos e o salgado fora da promoção, 80, totalizando 1 real e 50.
Argumentei que nem precisava ser um copo abarrotado de café. Bastava uma xicara pequena. Ele respondeu que o café pequeno custava 30 centavos. Com mais 80 do salgado, 1 real e 10. Tentei explicar que não se tratava de dinheiro (claro que eu tinha mais que 1,50) mas uma questão de lógica: ele ganharia mais dinheiro comigo se eu bebesse um copinho de café (mais um salgado) a um real do que bebendo um suco - em copo grande - de acerola ou cajá (mais o salgado) pelo mesmo um real.
O homem se invocou e, me olhando como se eu quisesse enrola-lo, sentenciou que somente a promoção suco-salgado era um real. Se eu quisesse o café, que pagasse a mais. Não contei conversa. Atravessei a rua e fui para a lanchonete do outro lado, onde o café pequeno era 20 centavos e a coxinha saiu por 70 centavos, totalizando 90 centavos, claro. Achei curioso como o cidadão perdia um cliente fiel por um café (ou uma diferença de dez centavos). Definitivamente, aquele comerciante - bem natalense - não gosta de ganhar dinheiro.
O nativo da Cidade do Sol também tem particularidades curiosas, como o fato de se enxergar com mais glamour que os demais nordestinos. Isso não quer dizer bairrismo. Cearenses e pernambucanos nos dão um banho em se tratando de valorizar as coisas da terra onde se nasce. É que o natalense no fundo se considera um lorde inglês, mais ou menos como um argentino se sente em relação aos demais latino-americanos. O natalense médio (principalmente da famigerada classe média, claro) tem sempre que estar bem arrumado, endinheirado e automotivo. Natal é uma das raras cidades do mundo onde não possuir um carro é quase um crime de lesa-capital. Um pecado mortal. Inaceitável.
Recordo, por exemplo, de um casal amigo meu que morava em Neópolis. Ambos trabalhavam no centro, um na Deodoro outro na Princesa Isabel, a quinze metros um do outro, e nos mesmos horários. Apesar disto, ambos iam para o trabalho cada qual em seu carro, afinal, acho que pensavam, o que os colegas de trabalho iriam imaginar se os vissem chegando no escritório a pé. Em São Paulo mesmo quem tem um carro zero do ano reza para pegar um carona com alguém que vá para um destino próximo. Além de economizar gasolina, desafoga o trânsito. Depois se reclama que o trânsito natalense está ficando caótico...
Mas, o senso de coletividade não é uma das características do natalense. Basta observar o número de veículos estacionados ocupando duas vagas. Em shoppings, estacionamentos privados, bares, restaurantes... Deve ser chique para o natalense impedir que outro motorista ocupe a vaga ao lado.
Um amigo que conhece bem outras capitais nordestinas, tais como Recife e Fortaleze, jura de pés juntos que Natal é a recordista mundial em babacas que postam veículos em bares e lanchonetes e abrem o porta malas do carro para irradiar as novas pérolas de Calcinha Preta, Raparigueiros do Forró e Chibata Nela. E ai de quem se atrever a questionar o som alto. os próprios donos dos estabelecimentos parecem não gostar de quem critique este abuso.
Definitivamente, o natalense é um bicho estranho, que se arruma para andar na areia da praia (só em Natal se vê mulheres de salto alto em Lual na praia), se orgulha de ter sua cultura influenciada por soldados norte-americanos e paga fortunas para cantores e cantoras de outros estados enquanto negligencia os artistas locais. E o natalense ainda faz piada dos bravos mossoroenses, que expulsaram Lampião de seus domínios e libertaram os escravos antes de todo o resto do país. Eu hein!
Quais países usam o cedilha?
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[image: Quais países usam o cedilha?]
O cedilha é um característico símbolo da língua portuguesa, mas poucos
sabem que ele também é utilizado em outras l...
Há 11 horas
4 comentários:
Sou daqui e me assusto com as características da minha própria "espécie". Ô bicho esquisito esse natalense, viu?!
Não vi unanimidade no texto do Sr. Cefas Carvalho. Me sinto obrigado a criticar um trecho: “Já na vida adulta cansei de estar em bares e restaurantes com amigos e ver garçons e donos nos olhando feio, quase expulsando” Entendi exatamente a situação, pois já presenciei algumas vezes coisas do tipo.
Será que os empresários paulistas que mantem seu restaurante aberto até a última rodinha de fregueses resolver tomar sua última garrafa de cerveja, paga aos seus funcionários algum extra por isso? Será que manda deixar na periferia seus funcionários que ainda vão depender de transporte público, em plena madrugada etc, etc? Duvido muito!!
Outro dia vi uma cena que me deixou revoltado: altas horas e um grupo de meia-dúzia de clientes animados em volta de uma mesa, somente consumindo cerveja barata, enquanto o restaurante já estava totalmente apagado e um garçom se punha de pé, com as mãos nas costas, à disposição dos bebedores! Na cena, em minha cabeça, imaginei-me tomando as dores daqueles trabalhadores que deram duro o dia todo, já hiper cansados, na expectativa de esperar por transporte público na madrugada e enfrentar a mesma rotina no dia seguinte, e expulsava os insistentes bebedores a pauladas!
Sobre o bigodudo da "estorinha", confesso que não entendi a confusão do parágrafo sobre a conta, mas percebi fácil que o problema do comerciante não era de não gostar de ganhar dinheiro, mas de ser burro mesmo!! rs...
Larsen
frecuentar vuteco de pobre sempre trace problemas de esa indole,maxime
cuando a compra é um real e vinte.
VH.
Myrianna e velho amigo Victor Hugo, valeu a visiuta e os comentários. Larsen, não sei se vc é natalense ou não, caso em que entenderia melhor o texto e a cidade. Mas, valeu a visita. Abraço a todos.
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