31 março 2009

Homem que é homem mata pela honra



Cefas Carvalho

O sol castiga sem dó nem piedade minha carne durante esta jornada maldita que eu faço. De Santo Antão para Cruzeiro do Norte são três léguas, como bem sabe todo sertanejo que mora por estas bandas. De cavalo, a trote lento, dá coisa de uma hora de viagem. Tempo mais que suficiente para pensar. No bem e no mal. Quanto a mim, pois nesta vida que Deus me deu só posso responder por mim, só pensava no mal. Não poderia ser diferente, depois do que Tonha me fez. E do que Lázaro me fez também, verdade seja dita. Que o Cão leve os dois. Mas, entre o sim e o não, decidi não esperar nem o Cão nem Deus – amém – fazer justiça. Vou fazer justiça eu mesmo. Pois homem que é homem mata ou morre pela honra, como dizia meu pai, que foi morto por dois policiais em tocaia por causa de uma briga de bar. Perdeu a vida, mas não a honra. Homem é assim, e Tonha sabia que estava com um homem quando começou a namorar comigo naquela quermesse de São João, há uns dois anos. Ou três, não lembro. Quem lembra estas coisas de data é mulher. O que sei é que Tonha vai pagar com a vida o que fez comigo. Com homem, ainda mais sertanejo e filho de Chico Bebé, cabra macho morto na traição por polícia, como relatei, não se brinca. Muito menos um sujeito frouxo como Lázaro, que com aqueles óculos enormes na cara e aquele cabelo abestado repartido ao meio, nunca bebeu uma cana com a gente no bar de Biduca e nem vai com a macharada para a casa de Francisquinha, para o chamego com as meninas. Lázaro talvez nem homem macho seja, como diz Zé Amorim. Mas, me disseram que ele, há muito tempo, já se chegou em Tonha. Ela é que não quis. Não consigo tirar da cabeça o que o sarnento do Lázaro disse sobre minha Tonha. O que foi que ele disse mesmo? O difícil do lembrar é porque eu tinha bebido umas canas lá em Biduca. Mas, sei que Lázaro disse alguma coisa sobre minha Tonha. Que eu tinha que cuidar dela. Por que eu tinha que cuidar dela? O que ela estava fazendo para que eu cuidasse mais? Lázaro disse mais uma ruma de coisas, mas eu não lembro. Só recordo que não gostei e que saí de Biduca disposto a fazer justiça com minhas mãos. Com sangue. Repito: o sol me castiga e me faz suar feito um porco, mas não descanso nesta jornada rumo à casa de Tonha. Ela vai pagar pelo que me fez. Nem sei direito o que ela me fez, mas Lázaro disse. O que aquele excomungado havia dito? O ruim de beber cana e conversar é isso, que depois a gente não lembra direito o que os cabras falaram. E diziam que Lázaro nem macho é. Não sei e nem sei que quero saber. Só sei que nesta vida a honra vale mais que a vida. Lázaro vai pagar também. Ele e Tonha vão pagar pelo que fizeram a um cabra macho de verdade. Lázaro disse alguma coisa sobre Tonha precisar de mais atenção. Quem é aquele diabo para saber do que minha Tonha precisa ou não? Não sei porque não sangrei aquele afrescalhado na hora. Acho que levantei, dei boa noite e saí do bar de Biduca. Como bebi muito não lembro de tudo, mas penso que foi assim. E depois acordei na rede, na casa de mainha, com vontade de botar tudo para fora. Foi quando decidi ir a Cruzeiro do Norte para justiçar Tonha. Minha Tonha, de cabelos pretos feito a asa da graúna e pele cor de melaço de cana. Eu devia ter sangrado Lázaro. Homem que é homem mata pela honra. Chego, então a Cruzeiro do Norte, apeio do cavalo e passo no bar de seu Noronha. Ele oferece uma cana, mas eu peço só água bem gelada. Que eu tenho de ter com Tonha e quero estar bom para fazer o que tem de ser feito. Bebo a água, chupo umas siriguelas, vomito um pouco no banheiro e tomo o caminho da casa onde Tonha mora com os pais. Bato na porta. Dona Mariinha atende e sorri para mim, gritando Tonha, Tonha, seu noivo está aqui! Percebo que esqueci minha peixeira em Santo Antão. Esqueci também o que Lázaro disse de Tonha. Uns dizem que ele nem é macho. Tonha vem até a sala, com seu sorriso luminoso feito vaga lume, eu sorrio, pois não tem como não se abrir em riso vendo uma coisa mimosa e linda daquelas, e eu abro os braços para aconchegar minha Tonha em meu peito.

Um comentário:

Cláudia Magalhães disse...

Bom demais da conta, sô! Ô cabra pra escrevinhar bonito!

Parabéns, amor meu, pelo texto e pela ousadia de estar, sempre, se experimentando!

Beijos.