Cefas CarvalhoEra necessário acreditar nela – na amada – como em um deus. Munido de fé, e sem qualquer evidência de que esta fé tornaria sua vida melhor ou mais feliz. Na verdade, sempre fora assim, desde os primórdios da relação, quando ela entrou em sua vida e ele permitiu que a amada – com sua beleza, sua paixão e sua fome de viver – lhe guiasse a vida como quem cede o leme de um navio em meio a uma tempestade.
Contudo, como todo cristão-novo, como todo convertido após certo tempo sem milagres, ansiava por provas, por sinais. Sabia que não conseguiria mais acreditar nela – e nem na relação – sem evidências, ainda que fossem tênues como pistas de um crime quase perfeito. Mas, necessitava de material palpável para trabalhar. Cansara dos êxtases, das orações, das promessas de fé que não se transubstanciavam em pão e vinho.
Acordaram conversar em um restaurante discreto próximo a praia, onde já haviam trocado juras de amor eterno e também destilado ódio um pelo outro. Ele chegou primeiro, pontual que era, o que lhe deu tempo para rabiscar pensamentos em um guardanapo de papel. Estava convicto do que queria – o fim da relação – mas conhecia a si mesmo, ou passara a conhecer naqueles últimos três anos, para saber que bastaria a amada caminhar pelo corredor do restaurante em sua direção, para sua alma estremecer e ele não saber mais o que desejava da vida.
Era justamente esse o problema. Acreditava na amada como quem acredita em um deus – com fé, e somente – e amava aquela mulher como a um ídolo sagrado. A imagem dela o hipnotizava, sentia-se um seguidor de seus rituais, da seita que era inventara unicamente para os dois... contudo, sabia que era impossível viver assim. Mesmo os fiéis mais fanáticos, enfurnam-se na igreja, oram de joelhos, mas depois se recolhem ao cotidiano, dormir, comer, criar os filhos, colocar a comida do cachorro...
Sabia – com a consciência dos que já passaram pela roda da tortura – que quando a amada chegasse, as palavras duras morreriam ainda em sua garganta e que o perfume dela dissolveria no ar todo o fel que destilara. Terminariam a noite entre lençóis, envolvidos em batalhas de carne, e ela juraria amor eterno, para recomeçarem, então, o circulo de agonia e êxtase que viviam.
Olhou, pela janela do restaurante, para o céu lá fora, de um azul quase absurdo e cheio de nuvens, e suspirou, imaginando como o mundo era grande. Não com ela. Ao lado da amada o mundo era só os dois, como convém aos amores loucos e às paixões suicidas. Queria a paixão, queria o amor, mas também queria o mundo real, grande, difuso, incerto...
Pagou a água mineral, desligou o celular e saiu do restaurante, rumo ao mundo, que era grande e que estava à sua espera...
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