24 setembro 2008

Minha vida de cineclubista


Cefas Carvalho

Houve um tempo em minha vida em que eu passava mais tempo nos cineclubes e nos bares do que em casa. O curioso era como eles estavam relacionados entre si. Era como se fosse impossível assistir um filme nos cineclubes sem a discussão depois, regada a chopes e tira-gostos. Bem, os bares, por si sós, dariam um texto á parte, longo e cheio de história. Falemos nos cineclubes, por ora. Atrevo-me a dizer que sem eles minha adolescência não teria sido a mesma coisa.
Descobrir o Cineclube Estação Botafogo, em meio às futilidades e idiossincrasias dos jovens cariocas dos anos oitenta, foi uma revelação divina. Lembro do primeiro filme que assisti lá, entre os quinze e dezesseis anos: "Nós, que nos amávamos tanto", de Ettore Scola. Foi um deslumbramento. Tanto o filme em si – lindo como poucos – como a sensação de estar em companhia de quem também amava cinema e o discutia. Assisti a muitos filmes sozinho: "O baile", "Carmem", "Veludo Azul" (este pela terceira ou quarta vez), e muitos outros.
Aos poucos fui ganhando amizades que gostavam de cinema e comecei a ir ao Estação em turma. Recordo de Paulo de Tarso, o Kalunga, Anderson Háber, João Marcelo, Paulo César, Rubinho Jacobina (estes, amigos meus até hoje), Sérgio Rueda, Pluft, Alan Kilder, Carluxo, Gabriela, Mônica, Maira, além das amizades feitas no próprio Cineclube ou na livraria em anexo onde comprei livros raros que me acompanham até hoje, e também cartazes de cinema que decoraram meu quarto por muitos anos. Foi quando começou a fase do Cineclube-Bar. Havia o Bar do Ópera, o bar do Casseta e Planeta, o Amarelinho na Cinelândia, os botecos sem nome, onde bebíamos em pé e era prova de macheza comer ovos cozidos coloridos.
Até hoje tem filmes que identifico com os cineclubes. Como "Os demônios", de Ken Russel, que eu Paulo César assistimos no Estação Botafogo e ao fim, iniciamos uma salva de palmas que durou minutos. Meses depois, um amigo que disse que a hábito que bater palmas após as sessões havia virado moda no cineclube. Houve também "Saló", de Pasolini, o filme mais barra pesada do mundo. Trinta pessoas pagaram ingresso e só vinte chegaram até o final da sessão. Recordo também de "O anjo exterminador", de Buñuel, quando, ao fim, para fazer blague com a trama do filme, eu e Paulo Kalunga fingimos não conseguir sair da sala de exibição do Estação Botafogo. Teve outra vez que assisti a "Tommy" no Centro Cultural Cândido Mendes munido de quatro camparis no cérebro...
Fui morar em São Paulo, e aí começou meu caso de amor com os finados Cinecubes Bijou e Oscarito. Mais solitário do que gostaria, acabei tendo companhia em Bergman, Kurosawa e Antonioni nas noites frias paulistanas. Depois ia para alguma cantina no Anhangabaú ou no Brás (onde morava) beber vinho quente com canela e escrever sobre os filmes assistidos. Mas, a cultura de cineclube não é feita só com medalhões. Havia os filmes desconhecidos, de diretores que ninguém conhecia e vindos de países longínquos. É preciso lembrar que eram tempos pré-Internet e pré-Google. As pesquisas sobre filmes eram feitas na marra, com base nas revistas (ah, a saudosa Cinemim e a resistente Set) e no boca a boca. Um amigo sabia quem era um misterioso diretor polonês, aí indicava para os outros, e assim por diante. Desta forma, assisti a muitos filmes estranhos, como "Repo Men", "Liquid Sky", "Fome de viver". Havia as sessões surpresa. Pagávamos a entrada e sentávamos sem saber qual seria o filme exibido. Isso sem falar das sessões à meia noite.
É necessário falar ainda do Cineclube Natal. Poucas vezes o freqüentei nos idos tempos, mas particularmente lembro-me de uma vez, na qual eu e Paulo César assistimos "Apocalypse Now", quase em frente ao Colégio Maria Auxiliadora, em 1988, sob efeito de, digamos, substâncias estranhas. O drama de guerra já é estranho por si só, então, juntamos Tomé com Bebé, como se diz no interior. Claro que estes dias atuais de DVD, Moviecons e Cinemarks são bons, mas nada supera o charme da cultura cineclubista. Que tenta voltar. Vale a pena registrar o belo trabalho de Nelson Marques e companhia com o cineclube Natal, que exibe bons filmes (já assisti lá, entre outros, "Café da manhã em Plutão" e "9 canções"). O Cineclube Natal exibe filmes no TCP, Nalva Salão Café e Assembléia Legislativa. Maiores informações no blog www.cineclubenatal.blogspot.com

Um comentário:

Cefas Carvalho disse...

Esqueci de citar um filme histórico que vi em cineclube: "Jesus de Montreal", um pouco conhecido filme canadense que causou furor entre os cinéfilos no final dos anos 80.