01 setembro 2008

Encantamento



Cefas Carvalho

Eu sabia que estava encantado por ela. Também conhecia o mundo – e as mulheres, mas afinal elas e o mundo são a mesma coisa – para saber que ela também estava encantada. O bar estava quase deserto, à meia luz, o som ambiente despejava Marisa Monte, ela traja vestido preto, o vinho branco...quase a perfeição, enfim. Bastava que eu não desse um passo em falso. Não dei. Falava sobre poesia, literatura, cinema, um pouquinho de política só para apimentar...opinamos sobre o referendo do desarmamento só para mostrarmos um para o outro que estamos atualizados com o mundo lá fora. Tolice, não havia mundo lá fora. Havia apenas os imensos olhos tristes dela, sempre parecendo à beira das lágrimas. Mas ela não chorava e nem eu a deixaria chorar. Ela apenas sorria com aqueles lábios de quem vai devorar o mundo. Ou a mim. Ela então perguntou se eu gostava do perfume dela...aroma de pitanga...foi quando o encantamento se tornou quase sólido, de tão presente. Sabíamos que um beijo era questão de tempo. E foi. No estacionamento, antes de chegarmos ao carro, enlacei-a e o encantamento continuou... agora amalgamado com o desejo... O fim da noite seria inevitável...mas, a realidade conspirava contra nós. Ela casada, eu idem. Ambos com compromissos nas próximas horas. Marcamos outro encontro discreto e fortuito para dali a uma semana. Estou encantada, suspirou. Eu também, respondi, no mesmo tom de voz ofegante. Quando nos deixamos, não sem custo, eu continuava em estado de encantamento. Mal poderia esperar a semana passar para revê-la... Todavia, a semana passou – afinal, o tempo sempre passa – e chegou o dia do encontro. Ao contrário da semana anterior, trabalhei quase até a hora de vê-a e cheguei no restaurante ainda sob a pressão e certo mau humor do trabalho. Ela demorou a chegar, o que aumentou minha irritação. O restaurante estava mais cheio do que da outra vez, com um barulho aos meus ouvidos insuportável. Pensei em mudar de restaurante quando ela chegou. Estava bonita – sempre o era – mas sem maquiagem e de calça jeans e blazer, parecia mais uma mulher de negócios, como as tantas que eu tinha que lidar todo dia, do que com a mulher sensual por quem eu havia me encantado. Também parecia cansada e de mau humor. Confessou que tivera problemas no emprego, mas decidimos não falar sobre isso. Pedimos vinho, mas, tenso, eu teria preferido uma dose de uísque. Ela reclamou que o vinho não estava suficientemente gelado. Ela tentou conversar sobre um livro que estava lendo, mas não prestei muita atenção... Cogitamos jantar, mas por fim, concluímos que era melhor não fazê-lo. Inventei que tinha um compromisso importante e ela respondeu, aparentemente aliviada, que compreendia. Olhamos-nos com atenção, algum pesar e uma boa dose de tédio, e ambos compreendemos, então: o encanto tinha acabado.

2 comentários:

Cláudia Magalhães disse...

É, sempre, uma delícia ler os seus contos!

Vc escreve com muita paixão...

Assim fica difícil viver, né? kkkkkk

Lindo, amor meu!

Parabéns, meu marido talentoso!

Te amo!

Francione Clementino disse...

Seus contos sao, como eu costumo chamar, envolvente! Não há tempo nem para pensar em parar e suas descrições são demais! Desde de "Ponto de Fuga" eu te admiro muito cara! Valeu!