Cefas Carvalho
Como se flutuasse, em vez de
pisar no chão rude do bar, Ela andou em minha direção com o meio sorriso
habitual e os olhinhos misteriosos que pareciam sempre fechados. Sentou-se à
minha frente murmurando um boa tarde quase imperceptível.
Havia cortado o cabelo, sim, eu percebera, estava naquele momento com um corte estilo
chanel, com pontas em forma de onda se adiantando para a
frente. Parecia uma francesa, não obstante a pele morena.
Tamborilou os dedos na mesa – sinalizando que estava mais nervosa do que
gostaria – e perguntou como eu estava. Bem, respondi apenas, também sorrindo.
Ela sorria como se jamais
tivesse sorrido antes daquele jeito para ninguém, para pessoa alguma.
Mas, Ele sabia que ela já mostrara seus encantos para outros homens, tinha
consciência de que sua natureza – feita para amar – fazia com que corpo e alma conspirassem
em encontrar amor. Talvez isso fosse o que mais o atraía Nela.
Ela começou a
falar do dia, da vida. Relatou alguns problemas, contou algumas banalidades.
Falou sobre o tempo, chuvoso. Entre uma conversa e outra, sorria, como se fosse
devorá-lo.
Ele sabia que iriam para a cama e sabia que ela não apenas sabia disso mas que era seu
desejo maior, mas, fazia parte da mágica não conversarem
sobre o assunto e, mais que isso, se comportarem como amigos que há muito não
se viam ou como quem acabasse de se conhecer. Ele propôs um vinho tinto, mas
Ela preferiu cerveja, menos sofisticada e mais parecida com o espírito Dela
naquela tarde.
Ela a
chamava de Bela da tarde,
pela razão simples – e nada poética – de que como ela trabalhava pela manhã e à
noite, tinha apenas a parte da tarde para os encontros amorosos. Ele, morava em outra cidade,
também não poderia se estender até a chegada do luar. De maneira que fizeram
das tardes seu ninho de amor.
Sabiam que, se desejassem,
poderiam iniciar um relacionamento (eram ambos solteiros), mas, por razões além
da razão, gostavam que fosse daquela forma e sem dizer
uma palavra sobre o tema, haviam convencionado que seria daquele jeito – sempre
às tardes, sempre de maneira suave e fortuita – até que um dos dois se cansasse
do jogo.
Ele sabia que a prova maior, se
não de amor, mas de algum tipo especial de afeto, que ela lhe dava, era o fato
de permitir que ele lesse suas poesias e contos. Professora por ofício, possuía
uma alma de poeta que lhe consumia as estranhas, por vezes. Lendo as poesias
Dela, ele percebia quantos vulcões aparentemente extintos estavam pestes a entrar
em erupção naquela alma. Alguns versos chegavam a assustá-lo, mas, quando
levantava os olhos das folhas de papel ofício e se deparava com aquele rosto
suave, se perguntava o quanto é possível alma e corpo ilustrarem tantas
diferenças.
Ela segurou a mão dele e
confessou que sentiu saudades. Por que não
me telefonou, para que nos encontrássemos?ele perguntou. Não era o momento.
Preferi esperar a tarde de hoje, na data que havíamos marcado. Ela sorriu
novamente e Ele pensou em pedi-la em casamento. Ela sabia que, por alguma
razão, jamais ficariam realmente juntos,
mas, também tinha certeza que da forma que viviam, jamais se separariam.
Quer beber outra cerveja?,
perguntou Ele. Não. Quero agora ser a sua Bela da tarde, respondeu, com um
sorriso de carne. Ele suspirou, oscilando entre o desejo que lhe queimava como
um carvão em brasa e uma pontada de dor, que sempre sentia quando se preparavam
para os jogos amorosos, talvez por saber
que, depois, se separariam.
Pagou a conta, levantou-se e
estendeu a mão para Ela, que a segurou com força. Sorriram um para o outro e
saíram lentamente do bar.
...
Imagem: Modigliani
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