23 novembro 2011

Morrer, talvez sonhar

Cefas Carvalho

Decidira morrer. Era simples assim. Não havia metáfora em sua decisão, nada de angústias existenciais, crises religiosas, nada de metafísica. Tampouco sofria com traumas de infância. Fora uma criança feliz na medida do possível. Não, também não havia um amor não correpondido, uma mulher fatal pela a qual valia a pena morrer.
Era uma decisão racional, portanto. Considerou que a vida já havia lhe dado tudo que poderia desejar e merecer e que tivera seu quinhão de alegria e dor em medidas exatas e que nada mais havia a fazer neste mundo (e na verdade, em nenhum outro, posto que desconfiasse com uma quase-certeza que nada havia além do pó deste mundo).
Tomada a decisão, se deteve na maneira de fazê-lo. Nada de decisões que resultassem em sangue e carne deformada como um tiro na boca ou no ouvido. Não queria ninguém limpando paredes cheias de seu sangue. Nada de posturas igualmente melodramáticas, como o enforcamento. Pensou no gás. Talvez na ingestão de um veneno indolor. Sonhava em morrer dormindo. Neste caso, a morte poderia chegar tal qual um sonho.
Indeciso, deixou que os dias passassem e, como já se acostumara a despedir-se deste – único – mundo, passou a ver as coisas com outros olhos, talvez mais complacentes, nostálgicos. De maneira que em uma ensolarada manhã de segunda-feira, em pleno centro da cidade, após ter tomado um café forte e com pouco açúcar, decidiu que não desejava mais morrer. Simples assim. Talvez a vida ainda tivesse o que lhe oferecer (de dor ou prazer) e sentiu-se subitamente forte para viver o tempo que lhe fosse dado.
Enebriado com a nova decisão, atravessou a rua rumo ao carro e não percebeu a caminhonete. Sentiu um impacto, ouviu um barulho estranho e alguns gritos (seus? De outros?) e o quebrar dos ossos das pernas. Percebeu que não conseguia movimentar a cabeça. Quero viver, balbuciou, inutilmente, mas já coneçando a sonhar.
Morreu a caminho do hospital.

...

Um comentário:

Cefas Carvalho disse...

Já passei por lá. Mais um belo blog. Abraço, amigo!