Cefas CarvalhoTodo cinéfilo tem uma gama de filmes que se tornam míticos de tanto que os tentamos assistir, que os procuramos, que tentamos baixá-los na internet, algumas vezes sem êxito. Na banca 7º Arte, no camelódromo do centro de Natal, encontrei totalmente por acaso um destes filmes: “Freaks”, o clássico de Tod Browning que nestas plagas tropicais ganhou o nome de “Monstros”. Nada mais errôneo. “Freaks” é um termo da língua inglesa que pode ser traduzido como “aberrações” e se refere principalmente a pessoas que são diferentes do que se chama “normal”: anões, malformados geneticamente etc. Existe inclusive uma ciência que estuda as deformações, a teratologia. Confesso que tenho um fascino por isso, e desde a adolescência coleciono informações e fotos de “freaks” (Não por acaso, “O homem elefante”, de David Lynch, foi desde os quinze anos um dos meus filmes preferidos. E Lynch é fascinado por teratologia). Bem, vamos ao filme: a trama é simples ao extremo e serve de mero pretexto para o diretor expor suas aberrações humanas na tela. Sim, os “freaks” do filme são reais. Nada de maquiagem ou efeitos especiais. O filme é de 1932, não nos esqueçamos. Não havia noções de politicamente correto no mundo e os circos com aberrações humanas eram sucesso e aceitáveis socialmente. Portanto, os “astros” do filme são anões, mulheres com microcefalia e “freaks” que fizeram história como Johnny Eck, o “homem torso”, cujo corpo terminava abaixo do umbigo; Olga, a famosa mulher barbada; e Raduan, o “homem verme”, que não tinha braços e pernas, mas ainda assim se locomovia, acendia sozinho seu cigarro (cena mostrada no filme), falava três línguas, se casou e teve filhos. Com este “elenco” recrutado nos circos, Browning fez seu filme na qual em um circo itinerante, uma ambiciosa trapezista se casa com um anão para herdar a fortuna dele e isso provoca problemas que levarão a um fim trágico. O filme foi combatido, proibido, cortado e posteriormente tido como preconceituoso e arcaico, posto que Browning teria feito o mesmo que os donos de circo: exposto os freaks como meras atrações para lidar com a morbidez e curiosidade dos espectadores. Mas, há quem discorde. Todos eles são tratados com carinho pelo roteiro e pela direção, e no frigir dos ovos o filme gera efeito similar ao causado por “O homem elefante”. Passada a estranheza inicial (inevitável, claro) nos sentimos à vontade com os freaks e logo percebemos que os monstros reais do filme são os “normais” Cleópatra (a trapezista) e o amante dela, o mau caráter Hércules. Assim como no filme de Lynch, o monstro do filme não é John Merrick, o homem elefante, mas sim o dono do circo que o explora e o agride. Na minha modesta opinião, “Freaks” acaba sendo um libelo contra o preconceito. Até mesmo na cena final, na vingança contra Cleópatra, os “freaks” são mostrados com dignidade, como gente que pode se defender e responder aos insultos e mau tratamento. Gosto de filmes que questionem os padrões pré-estabelecidos da sociedade, como o da beleza estética. Passada uma hora de filme você terá asco pela bela, alta e loira Cleopatra e terá vontade de bater papo com a anãzinha Frieda, com sua dignidade e tolerância. E perceberá que o “homem pela metade” Johnny Eck é mais alegre, educado e bom de se conviver que os outros “homens normais” do circo. Duvida? Assista o filme.
4 comentários:
Valeu pelo elogio e aproveito para comentar que os Freaks de hoje em dia são aquelas pessoas que se modificam corporalmente, enchem-se de tatuagens, de piercings em todos os lugares, penduram-se em ganchos feito carne no açougue e podem até retirar a língua ou outra parte do corpo, se lhes apetecer. Cada época, seus freaks...
É verdade. Lembrando que no passado deformações genéticas eram mais comuns pelo excesso de casamentos cossanguíneos. Abraço!
Muito bom o texto, Cefas. Gosto muito do Homem Elefante - um grande filme! Agora vou procurar assistir Freaks. Valeu a dica!
Amigo Carito, o "Freaks" é excelente. Por coincidência, assisti - também comprado na banda 7º Arte - um filme que fala de freaks: "El Topo", do estranho Alejandro Jadarowski. Vale a pena assistir, pela esquisitice. Abraço!
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