20 agosto 2008

Coração: jogo de dados


Cefas Carvalho



Sentia o coração apertado, como se uma mão forte e impiedosa o esmagasse. Além de oprimido, o coração, acelerava como se na expectativa que algo fosse acontecer. Mas, sabiam ele e seu coração, que nada aconteceria naquele momento. Estava triste e só, como deveria ser. Dúvidas, tinha muitas: se deveria ter feito o que fez, arriscar a felicidade como quem aposta fichas em um jogo de dados... Certezas eram poucas. Entre elas, a de que não deveria escrever poesia, muito menos mostrá-las aos amigos. Divulgá-las, seria um pecado mortal. Apesar do que todos pensavam, não se deve escrever poesia quando se está muito triste. O fundo do poço não é amigo dos bons versos. Também decidiu não desfilar sua dor como quem passeia com uma roupa nova em uma passarela. Sua dor seria confinada ao quadrado sujo de uma solitária mesa de bar ou ao retângulo de uma folha de papel ofício branca, pronta a receber rabiscos, planos, idéias, frases soltas e desconexas... Aos garçons dos bares, aos amigos – falsos, em profusão, e verdadeiros – aos filhos e patentes, apenas sorrisos polidos e levemente melancólicos. Para não enlouquecer, escreveria. Como um louco, como se fosse morrer se não o fizesse. Escreveria de tudo: contos, crônicas, roteiros de viagens imaginárias, tabelas de campeonatos de futebol igualmente imaginários, desejava apenas ver a tinta azul da caneta correndo sobre o papel... desenharia cubos, rabiscaria plantas de casas, traçaria anjos e demônios... havia quem procurasse - quando da tristeza – o auxílio dos entorpecentes e outros prazeres fáceis. Preferia se afundar no trabalho e nas palavras, as queria em profusão, em excesso. No fio da navalha onde caminhava, entre a serenidade e o desespero, sabia que a verborragia poderia lhe salvar, ou, na pior das hipóteses, servir como ungüento.
Poderia escrever uma carta de amor. Para ela. Poderia escrever seu nome mil e uma vezes...
Poderia começar a escrever um romance, sobre um amor destinado a correr o mundo e a conquistá-lo, mas que se perdeu na vala fácil dos ciúmes e do cotidiano.
E foi isso que fez.

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