Cefas Carvalho Conversando dia desses com um amigo sobre atualidades e trivialidades, comentamos sobre a seqüência crescente de padres envolvidos em pedofilia e escândalos sexuais. "Antigamente isso não acontecia", suspirou, lamentando as mazelas deste nosso "admirável mundo novo". Contestei, registrando que fatos do gênero acontecem desde que o mundo é mundo, mas o homem teimoso como todo taurino, não arredou pé da sua idéia. Como também sou taurino, e além de teimoso, chato, decidi jogar as provas do que eu defendia na cara dele. Lembrei que havia lido meses atrás uma resenha sobre um livro cujo curioso título me interessou: "A vida sexual dos papas".
Corri até a finada AS Livros da Salgado Filho e eis que achei escondido numa prateleira no segundo andar o dito cujo. Após me certificar que não era uma picaretagem caça níqueis e sim um estudo sério (feito pelo historiador Nigel Cawthorne, editado pela Prestígio/Ediouro em 2002, R$ 40) comprei o livro. Tão bem escrito e cheio de fatos e anedotas que devorei suas trezentas páginas em três dias. O livro é delicioso não apenas para ateus (nobre categoria na qual este escrevinhador se inclui), agnósticos, iconoclastas e interessados em história de modo geral, mas para qualquer um que se disponha a entender que como diz o próprio Eclesiastes, "não há nada de novo sob o sol". Perversões sempre existiram, talvez tenham até diminuído, pelo menos no seio (ops) da Igreja Católica Apostólica Romana.
Mas, vamos ao livro. Ele relata que a mensagem cristã de abstinência ou moderação sexual caiu bem em uma Roma às voltas com perversões dos poderosos e liberalidade sexual. Contudo, com o passar dos séculos e tão logo os papas se ligaram à Casa Imperial e ao poder (papa Vitor I, em 190, foi o primeiro a manter relações cordiais com o imperador) a situação se inverteu e a cultural sexual romana contagiou o clero e a Igreja. Começaram a proliferar casos de padres envolvidos em escândalos sexuais, embora seja preciso ressaltar que nesta época o celibato era recomendado, não imposto aos padres.
Segundo Cawthorne, Sisto III (432) chegou a ser julgado pela sedução de uma freira. Zacarias (752) foi o primeiro pontífice a usar roupas paramentadas com ouro e jóias e abriu caminho para seu sucessor Leão III (795) inaugurar a era dos grandes banquetes papais. Ele teve, durante a vida e inclusive como papa, três esposas, que lhe deram 8 filhos, e no final da vida cercou-se de três concubinas. Mas na Idade Média tudo iria piorar...o século 10 ficou conhecido como o período da "pornocracia papal" quando duas prostitutas, Teodora e Mariozia manipularam o clero e o colégio de cardeais durante décadas.
Tudo começou quando Teodora deu sua filha Marozia, de 15 anos, de presente para o papa Sérgio III (904). A partir daí, elas entraram em ação, até que Marozia conseguiu fazer em 931 que seu filho João XII fosse ungido papa. Segundo os historiadores, ele era bissexual e sádico e escandalizou a Igreja ao ordenar bispo um menino de 10 anos. Cinqüenta anos depois, um menino de 12 anos, Benedito IX seria eleito papa, e reza a história que ele era não apenas bissexual e zoófilo, mas praticante de satanismo.
O século 11 é marcado por discussões teológicas sobre masturbação, sodomia e posições sexuais (isto daria pano para a manga em outra crônica...) e neste contexto o celibato foi oficializado pelo vaticano no Concilio de Piacenza em 1095. No mesmo dia, a Igreja decidiu vender como escravas as esposas dos padres que eram casados. Mas, permitia que os padres tivessem uma - apenas uma, que fique claro, concubina, desde que pagassem ao papado uma taxa anual.
Neste contexto (estamos na bruta Idade Média, é bom não esquecer) e cada vez com mais poder e impunidade, proliferam histórias bizarras de papas: Anacleto II (1130) estuprava freiras, Gregório X teve que afastar da Igreja seu amigo o bispo de Liége porque ele tinha 70 concubinas e 65 filhos, Bonifácio VIII (1294) teve como amantes ao mesmo tempo uma mãe e sua filha, Clemente VI (1342) comprou um bordel para o papado (inclusive recentemente o historiados Joseph Mc Cabe descobriu a escritura do negócio, “feito em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”, segundo o documento), Inocêncio VII (1510) em seu leito de morte só queria um alimento: leite materno. Arrumaram-lhe uma ama de leite. Seu médico teve a brilhante idéia de fazer-lhe uma transfusão de sangue e arrumou três jovens para isso...as três morreram no processo.
Mas, reza a história que o pior de todos os papas foi Alexandre VI (1492-1503), nascido Rodrigo Borja na Espanha e que na Itália teve o nome mudado para Bórgia, dando origem à poderosa e trágica família. Este papa era assassino, mutilador, torturador e um predador sexual, tendo entre seus feitos, seduzido uma mulher e suas duas filhas e tido um longo caso com sua própria filha, a célebre Lucrecia Bórgia. Segundo o livro de Cawthorne, Alexandre VI foi eleito papa graças ao voto de um monge que pediu em troca uma noite com Lucrecia, na época com 12 anos. Rodrigo nem hesitou em ceder a filha...
A partir de 1600, rareiam as histórias picantes envolvendo papas, por pelo menos duas razões históricas: a Reforma, que gerou o protestantismo e obrigou a Igreja Católica a se repensar, e o surgimento dos livros impressos, que possibilitaram a disseminação de idéias e histórias com maior rapidez e quantidade. Desnecessário dizer que a partir do século 19 a força da imprensa e da mídia tornou quase impossível a tolerância da opinião pública a deslizes dos papas. O que não quer dizer que eles não aconteçam... De qualquer forma, o que vem à tona são os casos envolvendo padres. Mas nada que se compare ao que os papas já fizeram, a institucionalmente em boa parte dos casos. Bem, uma vez contemplado com tantas histórias, gravuras, fatos documentados meu teimoso amigo capitulou e teve que admitir que - pelo menos no passado – suas santidades só pensavam mesmo "naquilo"...
4 comentários:
sem papas na língua.....
todo leitor é um pesquisador.....
e duvidar de quem pesquisa.....
"vivendo, lendo e aprendendo...
Texto pesado, mas brilhante na argumentação. Parabéns por não baixar a cabeça a argumentação falha dos religiosos (coisa que eu tbm, de certa forma, sou) e apresentar bagagem suficiente para rebater dogmas.
Esse meu marido é talentoso demais... Adorei o texto, amor meu! O seu blog é bom demais! Tem um tantão de tudo! Beijos, meu Cefinhas amado!
A vida sexual dos papas (e dos nossos padres) é riquíssima, sem dúvida, mas não conheço o livro em questão. Aliás, também sou ateu. Contudo, a bem da verdade, esclareço que sou um ateu seridoense. Ou seja, um ateu devoto de Sant'Anna: se nela não acredito (a não ser como mitologia), acredito e respeito a religiosidade do povo do Seridó. Um pouco paradoxal, mas nem tanto: a vida é assim. Um abraço.
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