Cefas CarvalhoTudo na vida são escolhas. Lembrou da frase que ela disse. Sempre recordava aquela frase. Naquela manhã, mais do que nunca, quando viu o ônibus azul destroçado, aberto em ferragens, pessoas estiradas no asfalto (vivas ou mortas?) e ambulância do Samu à espera dos infelizes. Assistiu à cena - que parou o tráfego e o atrasou em seus compromissos – da janela de outro ônibus azul, com itinerário um pouco diferente do primeiro. Deixara de ir no ônibus que colidira – e suportara esperar mais dez minutos – para andar um pouco menos, ao fim da viagem. Se tivesse escolhido viajar no primeiro ônibus, que passou dez minutos antes do ônibus que pegou, poderia estar agonizando no asfalto. Fizera, sem saber, claro, a escolha certa. Tudo na vida são escolhas, dizia ela. Recordou quando, anos antes, uma turma da faculdade organizava uma viagem à Pipa. Tinha também um convite para uma festa, onde estaria uma mulher que o interessava á época. Quase optou pela farra com os amigos, mas por fim se decidiu a ficar em Natal e tentar a nova conquista amorosa. Amargou vê-la com outro na festa. Mas, no dia seguinte de ressaca, soube que o veículo dos amigo rumo a Pipa se envolvera em um acidente na estrada. Um entrou um coma, dois quebraram partes do corpo. Poderia ter sido ele. Fizera a escolha certa. Anos mais tarde, entrou em um videolocadora para devolver um filme. Hesitou entre entregar a fita à atendente loira da esquerda ou à morena, mais à diretira. Optou pela segunda. Conversaram sobre filmes, dias depois trocaram telefones e um ano depois se casaram. Fizera a escolha certa. Depois ouviu dela a teoria sobre escolhas. Sabia que cada vez que acordava teria uma série de escolhas para fazer. Uma delas poderia mudar sua vida. Ao escolher entre um elevador ou outro, sabia que poderia estar optando entre a vida e a morte. Desta forma, vivia em permanente estado de livre arbítrio, governado pelo acaso -muitas escolhas e seus resultados são ditadas pelo acaso - e pela sua intuição. No dia seguinte ao acidente com o ônibus azul que quase o vitimara, teve o pressntimento que não deveria ir trabalhar. Um arrepio lhe percorreu à espinha. Decidiu simular uma enxaqueca e ficar em casa. Assistiu à esposa ir para o trabalho e se concentrou em sua caseira ociosidade. Considerava-se uma espécie de sensitivo. Ligou a TV. Acidentes, tiroteios, mortes... nada disso podia lhe afetar. Entrou no banheiro para escovar os dentes após tomar café. De repente, escorregou na poça da água no chão no banheiro e bateu a cabeça no mármore da pia. Deitado no chão sangrando na testa, lembrou de sua mulher dizendo: “Molhei o chão todo, não sei se enxugo agora ou se corro para o trabalho”. Ouviu-se dizendo: “Deixe que eu enxugo, querida”. Não enxugara. Não deixara ela enxugar. Fizera a escolha errada. Pensou nisso até sentir sua vida indo embora, esvaindo-se lentamente de seu corpo...
2 comentários:
Bom, muuuuito bom.
Fazia tempo que não lia nada interessante sobre escolhas.
Será que é por escolher sempre outras coisas?
bjus
Cefas, ao ler este seu texto pela segunda vez, lembrei dos quase mortos do acidente da TAM, dos que iam e por algum motivo não foram, e não foram mesmo.
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