Cefas Carvalho
O bicho, enorme, asqueroso, entre o preto e o marrom, passeava pela casa, imponente, como se fosse seu dono. Para não confessar a minha filha o medo que tenho de barata, disse a Sofia que a barata se chamava Kafka e que estava nos fazendo uma visita.
Besteira, mamãe, você está falando isso para disfarçar seu medo!, respondeu, do alto da sabedoria que seus seis anos lhe davam. Irritada, decidi pegar a vassoura para matar a intrusa, mas, quando ela atravessou a sala rapidamente, pelo tapete, dei dois passos para trás e quase tropecei na mesa de jantar.
Viu, mãe, você está morrendo de medo!, zombou Sofia. Desafiada e já nervosa – com a barata e com a petulância da menina – perguntei se ela não tinha medo. Respondeu que não. Então por que não mata você a barata?, provoquei.
Primeiro porque matar insetos é tarefa das mães, não das filhas. Segundo, porque você disse que era uma visitante. Desisti da vassoura e bebi um copo d´água para me acalmar. Não sabia se repreendia minha filha ou se tentava achar a barata debaixo do sofá. Decidi pela segunda opção, mas, após afastar o sofá, virar o tapete e quase derrubar a cortina, não tive sucesso. Sentei no sofá, fora do lugar, e comecei a chorar, baixinho. Sofia veio em minha direção e me abraçou.
Mamãe, eu retiro o que disse. Matar baratas não é tarefa para as mães, mas para os pais!, sorriu. Não segurei o choro e desabei a cabeça entre as mãos. Sofia alisou delicadamente meus cabelos.
Mamãe, o papai vai voltar? Não, minha filha, ele foi de vez.
Tem certeza, mãe? Tenho sim, filhinha.
Então vamos nós duas matar esta barata, mãe. Como é mesmo o nome dela? Kafka!, sorri. P
or que este nome estranho? É uma brincadeira com o escritor muito famoso que escreveu um livro sobre um homem que se transformava em uma barata gigante.
Que coisa estranha, mãe! Um dia você me conta essa história? Conto sim, juro!, sorri, voltando a sentir a alma tranqüila. Neste momento, a barata saiu de trás da cortina, parando como que para nos olhar. Sofia correu para ela pelo lado esquerdo e ela, Kafka, sem alternativas, correu para a minha direção. Golpeei-a com a vassoura, uma, duas, três vezes até que vimos, eu e Sofia, os restos do inseto esmagado e um líquido esbranquiçado no tapete. Nojo? Que nada! Nos abraçamos, morrendo de rir de nós mesmas.